13.12.12

O coração de Bordallo












Ainda bate forte nas Faianças Artísticas. E que assim continue, com cada vez maior vitalidade. Não sendo hoje fácil emular o mestre original (porque bastante se deve também a seu filho, Manuel Gustavo), é obrigatório que o precioso legado se mantenha vivo e de boa saúde, para que o fulgor criativo de outros tempos possa ser revivido dentro e fora da fábrica. Com projectos como este. Uma visita inesquecível pela qual estou muito grato.

10.12.12

Ou vai ou racha

 
Não sendo possível redimir o passado, é aconselhável talhá-lo bem fundo. Com pancadas raivosas e incertas, para a coisa partir sonora e generosamente. Portanto, que os argumentos se tornem mais contundentes, as arestas mais pronunciadas e os gestos mais bruscos, porque em dias de ocaso as oportunidades nascem à golpada, as ideias brotam do entulho e uma posição só fica clara se deixar um rasto bem escuro.

Ilustração: David Fullerton

Universal Rita


Apesar de a crítica não ser particularmente abonatória - o que pressupõe que não é particularmente negativa - e com uma perspectiva algo en passant, é sempre bom ver num site internacional e de referência um texto dedicado a um filme português, no caso Sangue do Meu Sangue, de João Canijo. E é especialmente grato constatar o apreço global pelo trabalho daquela que é, provavelmente, a melhor actriz que o cinema nacional conheceu. 

 

Eco


Não há nada mais estimulante para a partilha interpessoal do que ouvir do interlocutor: "Está tudo bem, não está?".

Ilustração: Rob Colvin

30.11.12

Hard copy 66


Ora aqui está um caso sério de boa publicidade. O tipo de comunicação sofisticada que só um gestor de eleição poderia produzir, depois de deglutir o belo naco do cachaço, exactamente entre um reconfortante peido neoliberal, a baba de camelo à casa e uma charutada a rematar, satisfeito por ter despachado a equipa de comunicação. Na agência (?) dizem-lhe que o seu arrojo sabe a maminha da alcatra e a coisa sai, espessa e retumbante, na net e e na imprensa escrita, deixando um inconfundível gosto a grossura. Se comprar o carro vou ter de lhe pendurar algures o poster desbotado de uma serrana mamalhuda, enquanto palito os dentes com a unhaca do mindinho. E vou parar forçosamente numa estação de serviço ribatejana para comprar um pack de cassetes de anedotas porcas e música ao (es)gosto popular, com as quais arruinarei o moderníssimo leitor de CD. Ao chegar a casa gravitarei como uma mosca para os pré-gravados da Casa dos Segredos, de modo a não perder os melhores momentos de pintelheira a passar de boca em boca, revendo-me no desafio épico da articulação verbal e sentindo vibrar em mim o mesmo ADN bovino. Tudo para estar à altura desta carrinha. Quem diria que uma simples frase seria capaz de tanto?

20.11.12

Hard copy 65


A TDM é uma empresa estatal moçambicana. O que faz disto um anúncio institucional. Provavelmente foi encomendado a uma agência. Embora, institucional ou não, com ou sem "profissionais" contratados, não fizesse qualquer diferença. São tantas e tão boas as camada de mau que até se torna redundante satirizá-las. Mas se pensarmos que esta realidade pode ser a nossa num futuro próximo... 

P.S. Acordo Ortográfico. Pois com certeza.

Artemildo e o sangue do dragão



Não existe muita informação na net sobre o sangue de dragão, maravilhosa seiva, dizem alguns, que corre com a bicharada toda do organismo, desinfectando, cicatrizando, regenerando e inúmeros outros gerúndios terapêuticos, só equiparáveis à acção dos glutões na roupa porca. Mas isto vem de uma árvore, por isso é coisa sem fosfatos nem surfactantes, a não ser que seja plantada na China, onde é de certeza alimentada pela central termoeléctrica mais próxima, ou para os lados da Calçada de Carriche. A informação que existe - de grande rigor científico, como se pode comprovar pelo excerto acima - garante benefícios mais ou menos aleatórios para as entranhas e os tecidos, mas até se provar que uma substância usada para enfatizar rituais satânicos e dar cheiro a fantasias góticas (duas visões do inferno, portanto) converge para o bem-estar global, prefiro continuar a roer cenas fibrosas, de cor escura e com sabor a terra molhada, que não tenham sido aconselhadas pelo farmacêutico Artemildo.

16.11.12

Bestas


Quem, incauto, lesse o Jornal de Negócios de ontem – como eu, que não vi nem li nada previamente e o apanhei no trabalho –, ficaria inclinado a pensar que Isabel Choné é uma mártir (apesar de, aparentemente, apenas um corropio melindrado de tias e tios ter tomado a sua defesa, o que dificulta a empatia) e que os acontecimentos frente à Assembleia da República, em dia de Greve Geral, se reduziram à actuação de um grupo de celerados que foram valentemente rechaçados por uma polícia que demonstrou notável contenção perante uma violência brutal. Por acaso, verificou-se que a dita intervenção foi essencialmente uma retaliação raivosa e indiscriminada. Não será legítimo pedir estoicismo a indivíduos agredidos sem apelo nem agravo durante mais de uma hora. Não. Mas é por isso que são “agentes da autoridade”, treinados, comandados e (mal) pagos para analisar as situações e agir coordenadamente, com discernimento e estratégia. Para dar cacetadas a torto e a direito, com o cérebro toldado pela adrenalina, as frustrações e os recessos sortidos do subconsciente, qualquer barrasco serve. Apesar de cada vez evoluir mais nesse sentido, a realidade social ainda não é uma experiência de Milgram colectiva. Não é um reality show, onde se fabricam conflitos para entretenimento de audiências dessensibilizadas. É o agora e o depois com um nível de responsabilização e consciência que nunca como hoje foi tão agudo em democracia. E no entanto houve criaturas que avaliaram a situação escrevendo (numa crónica com o alcandorado título de "Não passarão!"): “(…) A legitimidade para decidir a nossa vida colectiva está ali [no Parlamento]. Não está na rua. (…) Em Democracia, o poder não se dita a partir da rua.” Claro que não. Porque enquanto ficas com a peida sentadinha a cagar postas ridículas, vives a tua democracia a ser enganado, roubado, enxovalhado, desrespeitado como indivíduo e cidadão, sujeito a toda a espécie de imposições anti-democráticas, com o intuito já pouco disfarçado de aniquilar as estruturas básicas do país e de hipotecar qualquer possível reabilitação futura, vendo a mentira e a corrupção institucionalizarem-se e serem sancionadas pelos próprios “representantes” que a deveriam combater, confrontado com toda a espécie de assimetrias abjectas alimentadas com a carcaça dos desfavorecidos, tendo conhecimento diário das acções e comentários de uma corja avessa à honestidade, ao pudor e à eficácia, que não raras vezes deixa escapar um arroto gordo de auto-satisfação e de profundo desprezo pelas 15 pessoas que saíram à rua na altura devida para, porventura, a eleger. Como recompensa, porque não contribuíste para a concentração – e tiveste a sorte de não ir a passar por acaso –, evitas uma porradona da bófia e moves o teu pescoço naturlamente inerte em aprovação das palavras firmes e hirtas de Miguel Macedo, o Estudante Pálido desta farsa.
Os sicários, profissionais ou não, que despoletaram aquela desastrosa reacção, não eram um exército, não tinham um plano diabólico e meticulosamente traçado para rebentar com o Parlamento, não eram uma ameaça intransponível nem estavam infiltrados clinicamente entre os manifestantes. Podemos apenas imaginar o que seria se estivessem, e que tipo de reacção iriam então originar nas entidades encarregadas de garantir a ordem pública.
A cadeia de comando de tudo isto não está na rua, pois não, isso com certeza. E os criminosos que atiram pedras talvez merecessem outra avaliação se escolhessem devidamente os seus alvos. Do mesmo modo que os senhores polícias, ao investir na direcção exactamente oposta, poderiam
contribuir com a punição de alguns criminosos, esses sim organizados e de alto calibre. Acontecendo o que aconteceu, estão ambos do mesmo lado da barricada. O das bestas.

Ilustração: "Democracy", Janusz Kapusta

15.11.12

O Slogan Recalcitrante 3

 
Pérolas esquecidas nos lineares de supermercado. Um encontro fortuito com a arte de criar claims, à procura de uma refeição de preparação rápida, económica e - esperança vã - saudável. A riqueza polissémica, a equilibrada escolha lexical e o reaproveitamento picaresco da coloquialidade, sintetizados numa homenagem franga à idiomaticidade - interpretada a gosto, visto encontrar-se numa embalagem de hambúrgueres de peru.

Na sequência de outros ensaios já postados, proponho-me adoptar tentativamente os mesmos critérios no rebranding de marcas interessadas em afirmar o seu carácter nacional. Não sei que marca gostaria hoje de afirmar o seu carácter nacional, mas deixo isso ao critério de indivíduos com conhecimentos profundos de secretaria.

Por exemplo, uma marca no mesmo segmento de negócio, mas com as carnes vermelhas por foco - imaginemos, Porquivaca - poderia ostentar algo como:

© 

Do mesmo modo, uma empresa distribuidora de peixe congelado - Peixófrio -, beneficiaria de uma releitura deste tipo, valorizando o espectro temporal de conservação:

©

 Se é que me faço entender.

(Com o inestimável contributo estético de Filomena L.)

31.10.12

Waiting for the sun


For Pasi, who was caught in a hurricane.


















 Ilustração: Geoff McFetridge

A vez dos sul-coreanos


Aí está o poster para o primeiro filme em língua inglesa de Park Chan-wook, o thriller psicológico Stoker. Não sei se será boa ou má notícia para os admiradores de Oldboy (que, por sinal, está a ser alvo de remake por Spike Lee, com Josh Brolin a retomar o papel de Choi Min-sik). O cartaz tem bom ar e parece indiciar que não estamos perante a típica chouriçada formular e previsível de Hollywood. O historial de realizadores "importados" é longo, mas, muitas vezes, o desajuste de sensibilidades e referenciais com a realidade mercantil dos estúdios norte-americanos leva a tremendos desastres, como ilustram os casos mais recentes de Killing Me Softly (Chen Kaige), The Invasion (Oliver Hirschbiegel), ou The Tourist (Florian Henckel von Donnersmarck). Alien: Resurrection, por exemplo, deixou uma mancha na saga e nunca saberemos se tal se deveu ao facto de a 20th Century Fox ter restringido agressivamente o controlo criativo de Jean-Pierre Jeunet, arredando-o posteriormente da pós-produção, ou se o universo de Jeunet simplesmente não se coadunava com o imaginário da série iniciada por Ridley Scott. Curiosamente, Stoker é produzido pela Scott Free, dos irmãos Ridley e Tony Scott, recentemente falecido. A ver vamos.

Portugal, os foristas, a saúde mental e o apocalipse

Na sequência desta impagável série, avanço com mais umas amostras edificantes de uma publicação que leva muito a sério a sua imagem, moderando escrupulosamente os comentários postados (é o termo) pela grossa (é o termo) maioria dos seus leitores (será o termo?).




























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