28.1.06

Espectro que sim



Estás espantado por não haver vida depois da morte - disse Deus.
Também não existia vida antes do nascimento e alguma vez te interrogaste sobre isso?

Alguém te garante que, aqui e agora, a vida te tenha sido dada? Um destino? Um propósito? Tens mesmo a certeza de que cumpres um trajecto? Se eu te disser que nem o que dás por certo é uma certeza mas sim uma equação mal resolvida...
Eu? Estou demasiado ocupado a desenvolver o acaso. A perfeição vem com a prática.

Deus sorriu com sarcasmo, como não é suposto Deus sorrir. Aí lhe detectei algum sentido de humor.

Até amanhã, camaradas



George Clooney merece todo o respeito que lhe queiramos dar. Pagou do seu bolso um filme de 7 milhões de dólares, a preto-e-branco, sem estrelas (o próprio Clooney desempenha um papel secundário, porque os co-produtores exigiram que desse a cara), sobre o homem que deu a estocada final no reinado de McCarthy e seus esbirros. Um filme de mensagem e de missão, numa contemporaneidade povoada por eminências pardas ancoradas em fantoches institucionais. Numa altura em que os destinos do mundo são verbalizados por um ser com o QI (e o mesmo impulso belicoso) do Pato Dónale do Zé Manel ventríloquo, Clooney questiona um dos direitos tidos como inalienáveis, propagandeado até à náusea, pela grande nação americana: a liberdade de expressão. Mr. George "puts his money where his mouth is". Aliás, consta que tem feito uns anúncios a cafés brasileiros e a maltes japoneses para repor a ordem nas suas finanças e investir em novos projectos. Esperam-se mais desafios às convenções.

Tudo no seu devido lugar


 As livrarias não têm de se parecer com lojas de aparelhos electrónicos , não têm de servir café e bolos. As pessoas não vão lá comer doughnuts nem ouvir a cacofonia do estendal de aparelhómetros - as pessoas vão lá buscar livros, porque nos livros encontra-se aquilo que a vida não tem: uma pequena possibilidade de justiça. Para ler não tenho de possuir outras coisas, tenho de desejar um livro. Para ser escritor não tenho que ser bonito nem interessante nem proprietário de um iPod, tenho que ser capaz de escrever.
(A propósito de Dorothy Allison e d' O elogio dos livros como sempre foram)

Gente feliz


Bem-aventurados os que sabem rir de si próprios, porque nunca deixarão de se divertir.

Natureza humana


The Woodsman (“O Condenado”) é um dos filmes mais violentos a passar pelo circuito comercial nos últimos anos e seguramente um dos mais complexos desde Dead Man Walking. Uma violência interior e subentendida, graças à abordagem cruamente alegórica da realizadora Nicole Kassell. Aquilo que poderia ter-se transformado num desastrado conto de fadas virado do avesso é, em vez disso, a realidade angustiante de um homem em busca de uma redenção impossível. Um universo torturado onde encontra potencial destruidor ao virar de cada esquina. Como diz a personagem de Mos Def (numa interpretação irrepreensível): “Neste mundo não há lenhadores”. Vendo o filme percebe-se porquê. Kevin Bacon, no que é mais um estudo doloroso do que um desempenho, é o homem vestido de lobo, dilacerante e dilacerado. Não aconselhável a toda a gente, The Woodsman vale, também, pela coragem de nunca fugir ao assunto que decidiu abordar.

25.1.06

Metafísica



"Beckett: It's a beautiful day, isn't it?
The friend: Yes... It makes one glad to be alive, doesn't it?
Beckett: Oh! No, I wouldn't go that far..."

Peca, jovem, peca



A doutrina do Pecado Original:

Todos somos e nascemos pecadores, excepto Jesus que é perfeito. Se não pecássemos éramos salvos para quê? Continuamos a pecar para sermos salvos para irmos para o Céu. É o Cristianismo. É por isso que é tão popular. Nas camadas mais jovens começa a categorizar-se como freak pop e já deu origem a um movimento que troca o ideal de discrição pelo fashionismo teológico. Estes jovens não procuram a redenção a todo o custo porque já perceberam que ela sai de graça. Pecam, mas não sofrem com isso. A culpa está a deixar de ser o dízimo. O pecado é bom e é barato.

Try Not To


Há dias em que sinto perto demasiados fósforos acesos, isqueiros, fagulhas, ameaças, sentenças, pressões, juízos, balelas, palermas, caldeirões nas brasas dos abusos e das indecências. Demasiado perto. Demasiados.

Só não vejo uma tocha que nos ilumine.

24.1.06

Confúcio era um coelhinho azul


...E pouco a pouco aprendi que não é mesmo preciso matar mosquitos com um canhão.

Princesas


Vou a caminho. Que longa viagem, esta!

I feel loved



"It´s the dark night of my soul
and temptation's taking hold
but through the pain and suffering
through the heartache and trembling
I feel loved
I feel loved
As the darkness closes in
in my head I hear whispering
questioning and beckoning
but I'm not taken in
I feel loved
I feel loved
From the depths of my emptiness
comes a feeling of inner bliss
I feel wanted, I feel desired
I can feel my soul on fire
I feel loved
I feel loved."

Depeche Mode

23.1.06

Repulsa



Um verdadeiro conto de imoralidade. Inclemente, daqueles que não pestanejam e não mostram remorsos. Quase tão frio quanto o ambiente que caracteriza, tão cruel quanto as personagens que o habitam. Os desígnios compulsivos da mentira, da ambição e da vaidade... A maior proeza de Match Point não é devolver vitalidade à obra do velho realizador (nem a mestria havia desaparecido por completo, nem este filme é uma obra-prima), é ilustrar, com o xizato na mão, a monstruosidade vazia e circunstancial com que coabitamos. Woody Allen, o buffoon, corta a sangue-frio as nossas frágeis convenções de moralidade, sem risos de ocasião. Este jogo está fora do nosso controlo, está à nossa volta e é incomodamente familiar.
Como me disse o Paulo: “Gostava de ver a cara de certas pessoas ao saírem deste filme”. Sem cara, provavelmente.

20.1.06

Filosofia



Está toda aqui.

Desbotados


The Economist prevê para 2006 o maior défice orçamental entre os países da UE:

Portugal com o pior crescimento do mundo.

Défice orçamental atingirá os 5% em 2006.

Peso excessivo do Estado abafa a capacidade de iniciativa dos cidadãos e das empresas.
Aumento da pressão fiscal reduz a competitividade das empresas.
Rigidez da legislação laboral agrava o desemprego.
Portugal está na cauda da Europa e do Mundo tanto ao nível do equilíbrio das finanças públicas como do crescimento económico.

A revista “O Mundo em 2006”, edição conjunta “Vida Económica”/The Economist, estima que, com um crescimento de 1%, Portugal terá no próximo ano o pior desempenho entre o conjunto de 66 países dos cinco continentes analisados pela Economist Intelligence Unit e vai registar o maior défice orçamental entre os países da União Europeia.Enquanto a vizinha Espanha cresce a bom ritmo, aproximando-se do ritmo de desenvolvimento da Irlanda e dos países do Norte da Europa, Portugal vai perdendo terreno. Os países do alargamento também estão a crescer depressa. A Estónia e a Letónia vão atingir um crescimento de mais de 6% do PIB.Nesta edição especial “O Mundo em 2006”, vários líderes nacionais comentam as tendências para o próximo ano. Para António Carrapatoso, presidente da Vodafone, os males de Portugal são “crónicos e estruturais”, surgindo enraizados na forma como “a nossa sociedade funciona e está estruturada”. “A rigidez da legislação laboral retira oportunidades aos desempregados e dá os incentivos errados aos empregados, para além de não estimular o investimento e a criação de empresas”, diz António Carrapatoso.Este gestor afirma também que o Estado tem um peso excessivo na economia e que, em 2006, se deveria começar por melhorar o actual sistema de incentivos e de responsabilização.

Limpa-te aqui


Como pontificou o nosso estimado Vieira da Silva, Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, em dez anos deixará de haver reformas em Portugal. Causa para preocupação? Talvez, se pensarmos que continuamos a investir a fundo perdido na implacável SS. Aliás, no gabinete ocupado por este homem com a sensibilidade de um Dr. Mengele, urdem-se planos para levar os portugueses ao AVC, ao enfarte, à exaustão e à mais variada gama de úlceras, antes dos 65 anos. Por essa altura, como também já não existirá sistema público de saúde (aproveitem enquanto podem, mas sempre com fractura exposta, senão…) e a generalidade do povo anda a ração, a malta quina ou já quinou, a SS lambe os dedos e o Bono vai andar por aí com uns companheiros a apelar ao perdão da dívida pública portuguesa. No fundo, há que aproveitar o dia e fazer de conta que os ministros só dizem tonterias – a 2ª parte pelo menos não é difícil. Recentemente em Barcelona, reparei que os autocarros e alguns outdoors publicitavam uma campanha da Renova, que oferecia um ano inteiro de segurança social. Os espanhóis têm o conforto de uns lencinhos ou de um macio rolo de papel higiénico. O nosso Estado, vigilante, coloca ao dispor do freguês um modelito mais austero.

La démocratie, c'est moi!

Não vou votar. Pela primeira vez não vou votar. Não é correcto, não creio que seja sequer uma atitude defensável. Se é um direito adquirido à custa do sacrifício de muitos, exerça-se por favor o dever herdado. Que sei eu, que já nasci embalado pela democracia. Posso questionar, no entanto. Posso dizer que estou adoentado e me custa deslocar à terra natal. Não tenho culpa se a perversidade congénita das sociedades humanas fez das suas durante séculos. Sou um pequeno germe democrático que acredita nas obrigações cívicas, em piloto automático. Talvez necessitemos que a democracia nos seja dada em forma de cápsula, com aminoácidos essenciais, vitaminas e sais minerais. Ou mesmo em carteirinhas de pó efervescente com aroma a laranja. O que me leva a pensar que o primeiro grande passo democrático de 2006 vai ter o valor nutritivo de um Sunny Delight - com todo o açúcar a que temos direito.
Entre um bode velho e desorientado, que converteu a demagogia num tesouro nacional, um poeta-alegre de intenções menos líricas, um liberal de esquerda com síndrome de Tourette (de vez em quando sai-lhe o que realmente pensa), o bom do Jerónimo e o gajo que fez do seu nome um -ismo e o cravou na memória curta dos portugueses... É incrível como os cavacos se transformam em boomerangs redentores. Alguém é capaz de me situar?
Não vou votar. Pronto. Protestar? Deixa-me ligar a PlayStation.
Faço minhas as palavras de Mãozinha, que, há uns anos, cantava:
"Eu sou da geração que perdeu o interesse."

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