23.12.10
Coisas que gostaria de ter dito 10
"A little rudeness and disrespect can elevate a meaningless interaction to a battle of wills and add drama to an otherwise dull day."
Bill Watterson
21.12.10
A hora do Goucha
Deixem o gajo em paz. Ele é estridente, vaidoso, o melhor amigo do sopeiral e há dúzias de razões para não o gramar. Mas o não tão simples facto de se ter assumido publicamente como homossexual, reconhecendo o companheiro, camarada, palhaço, amigo, merece o mínimo de respeito. Fê-lo, é certo, sem nomear essa palavra pernilonga e de sibilante reputação, e adicionando a santa mãezinha ao topo dos bookmarks afectivos. Mas não estava confortável a viver no armário perante o seu público e fê-lo. O que me parece de profundo mau gosto é os bazarocos do 5 Para a Meia Noite, esse programa tão jovem e impertinente, chamarem-lhe "apresentadora" porque... hum... deixa lá ver... é gay (excitação!) e a irreverência tem poluções nocturnas? Quanta inteligência e sentido de oportunidade, quando o casamento entre pessoas do mesmo sexo é servido no cardápio legislativo como bandeira de progresso social. No qual só os turistas acreditam, visto que a mesma adolescência cavernícola que dita os nossos costumes é bem exemplificada por este tipo de graça fina. Mas pior do que isto - de onde não há muito a esperar, seja como for - é ver Herman a fazer o mesmo. Ele que, antes de ser a tia de todos os humoristas, foi um grande cómico. Se isto não é um oxímoro, então não sei o que é.
20.12.10
Isto & Aquilo
Pyongyang é o retrato de uma cidade fundada na alienação, na mentira e no medo mais profundos, e, por extensão, de uma sociedade num isolamento inconcebível, escravizada ao poder, que não se vê e não se ouve. O espantoso é que Guy Deslile, desenhador e animador canadiano que se deslocou à Coreia do Norte para orientar um trabalho de replicação de layouts franceses (ao serviço, portanto, dos demónios capitalistas), consegue pintar um quadro humano, bem-disposto e terno, caracterizando ao mesmo tempo e com notável precisão o cinzento vazio que o rodeia. Percebe-se que Deslile teve muito por onde pegar, nos dois meses que passou na capital norte-coreana, e percebe-se também que tentou combater os sentimentos de desolação e isolamento com um diário dos seus dias, sendo fácil cair numa descrição taciturna. Não é o caso, de forma alguma, oferecendo-nos o autor uma experiência rica em informação, no epicentro de uma realidade tétrica, praticamente desconhecida.
Tenho de agradecer ao meu pai a descoberta destas coisas, caso contrário... Existem edições em francês (L'Association) e em inglês (Jonathan Cape - Random House).
16.12.10
De mal a pior
A Fnac deu-me um enorme manancial de experiências, boas e más. Quando lá estava tinha uma vaga noção do que era ser explorado e ganhar pouco. Ainda não se tinha cristalizado na minha mente esse pressuposto estruturante do consciente colectivo. Um lugar-comum muitas vezes inadequado, por sinal.
A delimitação das minhas funções não era clara e, talvez por isso, talvez por excesso de solicitude, acabei por aplicar tudo o que sabia e o que tive de saber para desempenhar uma multiplicitude de funções, transversais a vários departamentos. Não me queixava disso, queixava-me de outras coisas, que não se prendiam com o que fazia, variado e aliciante, é certo, mas com a naturalidade com que as exigências me eram colocadas, quer em termos de disponibilidade horária, resistência física e psicológica, quer em termos da amplitude das minhas capacidades profissionais. Essas exigências, claro está, eram unilaterais e pautavam-se pela ausência do critério que tinha de ser usado, e espremido até à última gota de viabilidade, pelo departamento em que me integrava, já então dotado de parcos recursos. Trilhado este caminho, que resultou numa previsível, frequente e, ao que parece, conveniente rotatividade, a Fnac, como tantas outras empresas à boleia dos míticos planos de contingência, pôs-se a despachar os que foram ficando, e que entretanto atingiram um tecto salarial incómodo. Encarando, possivelmente, determinadas funções como de somenos importância (sobretudo quando o mercado é muito pouco exigente e a concorrência inexistente), começou a recrutar estagiários em barda para as desempenhar, numa concentração olímpica de requisitos e conhecimentos, de modo a manter em funcionamento a linha de montagem já implementada.
Sempre achei e defendi, sem resultados práticos, que o nosso era um trabalho especializado e exigente. Fazia-o por mim e por outros como eu, incluindo os estagiários não remunerados da altura, que assistiam os departamentos de Marketing e Acção Cultural. Hoje, a épica estupidez da Fnac consiste na negação mais revoltante de tudo aquilo que apregoou durante anos, para fazer reluzir a sua imagem de marca: a promoção da cultura e do lazer, no que tem de diverso, diferente e abrangente. Porque a total falta de respeito pelas múltiplas áreas de conhecimento que presume abarcar, e, consequentemente, por todo e qualquer indivíduo que se movimente à margem dos universos de controlo e gestão, contabilidade e clientelização, é o traço mais evidente na sua "política" corrente de contratação. O que se exige num anúncio deste tipo (exemplar de uma larga família) é obsceno para aquilo que se dá. E mesmo que a retribuição fosse outra, continuaria a ser chocante. Falo com conhecimento de causa. Há um limite para as horas que damos, a velocidade com que produzimos, os instrumentos que dominamos e as pressões que sofremos. Chama-se saúde, dá imenso jeito a quem a possui, e não há "experiência" nem currículo que justifique perdê-la.
A Fnac, para mim, incorpora e, pior, manifesta desabridamente todas as marcas da decadência moral responsável pela morte inevitável da ética profissional. Não é caso único, infelizmente, mas, para o tipo de empresa que é, talvez seja paradigmático. E porque lá trabalhei, e até cheguei a acreditar naquilo tudo, as entranhas remexem-se-me ainda mais.
14.12.10
Scrabble days
É evidente que os meus dias de Scrabble espelham um estado de alma impenitente, que se recusa a prescindir do esforço de concentração e da tensão competitiva. É-me quase impossível encarar um acto de lazer simplesmente como tal, e o resultado tem de ser acima das expectativas, que, teimosamente, são altas. É que eu não ganho, é raro ganhar ao jogo, seja ele qual for. Mas insisto em provar a mim e aos outros que um jogo é para vencer, com garra e com drama, com supremacia e vaidade. Excepto quando se desiste, porque a coisa não está a correr bem. E isso, enquanto reflexo inverso de um quotidiano viciado na obstinação, é uma coisa boa. Porque a vida real é alérgica à desistência, mas num jogo podes saboreá-la sem desonra.
Ilustração: Martin Jarrie
13.12.10
Coisas que gostaria de ter dito 9
Hard copy 27
10.12.10
Hard copy 26
2.12.10
Não te metas nisso, Liam
Ele está de volta e é mau com' às cobras. Vai dar tareias desencabrestadas, distribuir coronhadas, escavacar duas dúzias de veículos com e sem motor e enfiar uns balázios valentes nos cornos dos malfeitores que lhe raptaram a filha... Ah, não, isso já foi... A mãe? O iPhone? As duas gajas loiras que estão a olhar de lado, a esposa e a prima russa que é boazinha mas tem pouco juízo, por exemplo? O namorado da filha? Hum, não, a namorada da filha? Espera, a da direita não é a filha já mais crescida? Fugiste para Berlim com um taxista e foste trabalhar para um cabaré, depois do que o teu pai fez por ti, rameira? Enfim, entristece-me pensar que um dos melhores actores da sua geração vai começar a replicar filmes de merda que fizeram dinheiro, mas em Hollywood há quem aprecie o conceito, e o nosso homem aparentemente também. Isto, associado ao facto de Neeson ter perdido para Daniel Day-Lewis a oportunidade de encarnar Lincoln no vindouro biopic de Steven Spielberg, não augura bons ventos para a carreira de um actor que vale mais e merece melhor. E ninguém merece um Taken 2.
30.11.10
O pesadelo de um copywriter
Fresh
Mini
Lollipop
Expo
Shine
Dimsun
Samba
Pop
Puccini
Crystal
Smart
Xenon
Renoir
Incite
Invision
Neon
Secret
Trax
In Touch
Encore
Prime
Quantum
Optimus
Town
Chic
Octane
Rumor
Plus
Pure
Cookie
Wink
Style
Viewty
Snap
Fathom
Vu
Smile
Cafe
Chocolat
Gig
Arena
Joypop
Andro
Xperia
Cedar
Yendo
Bravia
Zylo
Spiro
Aspen
Vivaz
Hazel
Elm
Pureness
Jalou
Greenheart
Naite
Satio
Idou
Aino
Yari
Xpress
Navigator
Slide
Mural
Classic
Gold
Arte
Evolve
Fold
Supernova
Prism
Crystal
Luna
Droid
Spice
Flipside
Bravo
Citrus
Defy
Milestone
Grasp
Charm
Rambler
Quench
Flip Out
Dext
Backflip
Zhishang
Zhiling
Tundra
Renew
Active
Cocktail
Razr
Preston
Propec
Explorer
Beat
DJ
Ultra
Disc
Memoir
Stratus
Duos
Ego
Tobi
Renown
Saga
Eternity
Behold
Epix
Eco
Soul
Impact
Steel
Ace
Access
Serenata
Blast
Katalyst
Blackjack
Serene
Gusto
Wave
Mesmerize
Transform
Omnia
Messenger
Focus
Continuum
Tab
Solstice
Zeal
Evergreen
Mythic
Eco
Flight
Forever
Marvel
Spica
Jet
Pixon
Crest Solar
Solar Guru
Behold
Star
Blue Earth
Scarlet
Code
Double Take
Caliber
Trill
Moment
Intrepid
Instinct
Rogue
Intensity
Comeback
Gravity
Blade
Impact
Beat Techno
Genoa
Lindy
Diva
Shark
Monte
Xcover
Corby
Beat
Ch@t
Beam
Galaxy
Metro
Vibrant
Fascinate
Impression
Magnet
Jack
Champ
Rugby
Apollo
Freeform
Restore
Haven
Captivate
Squash
Smiley
Flight
Tocco
Simon
Ravine
Dynamic
Lite
Glyde
Jest
Devour
Bubble
Honey
Brute
Gratia
Surround
Mozart
Trophy
Desire
Aria
Wildlife
Legend
One
Nexus
Evo
Incredible
Droid
Eris
Tattoo
Hero
Ozone
Snap
Magic
Tilt
Diamond
Dream
Cruise
Max
Viva
Advantage
Dual
Shift
Mteor
Quer a nível linguístico, quer a nível comercial, esta tendência de individualizar todo e qualquer artigo de parafernália electrónica faz-me imensa confusão. E no caso dos telemóveis o cenário é de um absurdo paradigmático. Os fabricantes decidiram deixar cair as "frias" designações alfanuméricas e começaram a oferecer nomes próprios a qualquer pedaço de plástico com botões e um microfone incorporado. Isso leva, a meu ver, à indistinção e desvalorização do objecto, o inverso do que pretendem as marcas. Porque o mercado já está mais que saturado e o processo de naming, ao ter de acompanhar a canibal escalada de novos modelos, debita designações tão rebuscadas quanto indistintas e, não raras vezes, idiotas. Campeão neste domínio é o chaebol Samsung, cuja ânsia de açambarcar o léxico anglo-saxónico e suas corruptelas produz inanidades como "Squash", "Forever" ou "Lite" - banalidade igualada pela irrelevância dos próprios aparelhos -, ou presumíveis acidentes como "Trill". Entre a quota parte de disparates da LG contam-se "Lollipop", "Fresh" e "Wink", possivelmente dirigidos a um target que usa mochilas da Hello Kitty, mas em termos de branding global, nomes absolutamente inúteis, senão mesmo prejudiciais. Possivelmente estas marcas pretendem ganhar quota de mercado à Apple e à tradicionalista Nokia cobrindo todas as bases de forma indescriminada - uma tentativa desesperada de afirmação segmental. Mas por muito que o desparramento linguístico se justifique pela intenção de conectar emocionalmente com diferentes públicos, é muito difícil credibilizar estes intentos com designações como "Citrus", "Incredible", "Lindy" e "Simon", cujo "eco emocional" se dissipa no vazio da gratuitidade. A Sony Ericsson e a Motorola apostam ambas num registo sofisticado e elegante (por vezes grandiloquente, veja-se "Milestone"), com a primeira a conseguir um certo ar de família ("Aino", "Satio", "Andro") e uma personalidade demarcada, entre a linguagem sci-fi e a boutique de alta costura, com a série "Xperia". Mas ainda assim falta algo. Faltam a simplicidade, objectividade e notável capacidade de síntese da Apple que é aqui pioneira e uma referência inultrapassável. O seu objecto de desejo chama-se tão-só "iPhone". E na sua linha de fenómenos globais, ancorados na real ciência do marketing, incorporou elementos lexicais como "pod", "nano", "touch", "pad", "book", "pro" e "life", anexados a um prefixo solitário que diz hoje mais que mil palavras. Nomes que entraram de facto no léxico comum e que se instituiram como sinónimo de qualidade, eficácia, ergonomia e bom gosto. Como sinal de um status democratizado por uma filosofia partilhada. E isto, por muito que me custe admitir, é o que fazem as grandes marcas, numa simbiose perfeita entre produto, estratégia e criatividade. Gerar identidades é uma das tarefas mais difíceis para os criativos e não ajuda quando o mercado está sobrelotado de nomes e formas que não significam coisa alguma, associados a não importa o quê, quando muitas vezes poderíamos reclamá-los para algo que, achamos nós, faria perfeito sentido no contexto que desenvolvemos. Mas a verdade é que um nome, por si só, faz muito pouca diferença, e é isso que cada vez mais sinto ao ver 15 minutos de produto chamados "Soul", "Pure" e "Intensity". As palavras passaram a valer tanto quanto a promessa de realização que apregoam. Nada. E tenho pena, muita pena.
17.11.10
E agora para algo completamente irrelevante
Não sei se é a sagacidade do olhar, a imobilidade teutónica e vigilante das pálpebras ou a expressividade geral do conjunto que estimulam a concupiscência de milhares de cibernautas de gosto requintado, se o carisma que emana da sua penetrante filmografia. Poderá eventualmente ser o efeito escravizante do seu grunho viril, fazendo-se sentir algures por onde as deixas deveriam existir. Mas fiquei a saber que essa notável entidade abstracta mobilizadora de inteligência, cultura e civilidade em massa, "elegeu" este neandertal como "homem mais sexy". Dezoito milhões de pessoas manifestaram disponibilidade e interesse em afirmá-lo com galhardia. É bom saber que a evolução não tem limites. Nem a sensualidade.