20.6.07

Não olhes para baixo, Marquês







O Parque Eduardo Sétimo é um dos locais mais bonitos de Lisboa, para além de ser o maior parque do centro da capital. Apesar de todas as indignidades que têm feito esmorecer a sua mística, permanece como um dos símbolos da cidade. Vinte e cinco hectares de verde lançados sobre um eixo fulcral, mirando o Tejo, preparado para receber uma enorme diversidade de plantas. Um projecto paisagístico pujante que integra pormenores luxuriantes, estruturas polivalentes, espaços para as crianças e para a prática desportiva, alguma fauna (sobretudo aves tropicais) e, mais recentemente, um espelho d’ água com esplanada adjacente.
E no entanto, grande parte disto soa a ironia. Poderíamos talvez abordar com mais detalhe as espécies animais que por ali circulam. E não me refiro propriamente à fauna nocturna que a edilidade tarda em erradicar de vez dos arbustos. Falo do cidadão comum. Dos apaixonados que se grudam ao muro frontal em bovina contemplação do pôr-do-Sol. Do portuguesinho que aí tira os seus rodriguinhos com a patroa e as crias, em tarde amena. Dos bifes e bifas que se arrumam aos cantos mais sombreados para imortalizar o momento. Falo dos domingueiros da Feira do Livro, que vão ver a vista enquanto sorvem um Cornetto e a contracapa do último Rodrigues dos Santos. Dos vendilheiros de quinquilharias, panos e bolos secos que por ali param. Dos junkies que se arrastam à cata de sabe Deus o quê. Dos putos que levam o skate ou a bola na mão, o inevitável maço de tabaco no bolso e a ausência de responsabilidade na cabeça. E por aí fora. Mas por mais que especule, não consigo encontrar uma razão para o espécime que, ali naquele ponto privilegiado com vista para o rio entrecortada pela majestosidade do Marquês, decidiu deixar umas meias! Não há apelo telúrico mais desvairado que o justifique. E a paisagem será de tal forma stressante para tantos que justifique as centenas de beatas e de garrafas que povoam o chão? O Marquês, altaneiro, permanece indiferente à porcaria que se acumula nas suas costas e míope perante a porcaria que se acumula na outra margem. Melhor assim, Marquês. Não venhas cá abaixo ver isto.

2 comentários:

Anónimo disse...

J... não queres experimentar um dia destes descer o passeio de bicicleta ou vespa ou patins:)?

João disse...

Para me suicidar ou simplesmente não ver a porcaria ao longo do percurso?

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