27.9.11
"There is no such thing as society."
A História da Europa repete-se, já sabemos, mas a incapacidade de aprender – de perceber? – o que ela nos transmite é, antes mesmo da constatação do fracasso de criar um propósito comum (e muito menos solidário), a total improbabilidade de algum dia sobrevir um sistema governativo capaz de implementar uma filosofia humanista. Porque nenhuma estrutura de poder, já depois de o povo ter voz própria, prioriza a mesma matéria que o sustenta e promove. O poder é predatório, sempre, porque desabridamente rentável, com uma gula que necessita tanto de promoção como de carne para os seus canhões. O modelito de estadocracia mercantilista que actualmente vigora regurgita lentamente todos os seus pecados, até ao próximo banquete. E mesmo uma análise superficial revela que as medidas adoptadas para estancar a asneirada unionista estão moralmente hipotecadas. Se alhures outros nacionalizavam e manipulavam, outros por cá privatizam e manipulam. A essência é a mesma, só o figurino é variado, vestido de folclore doutrinário, de delírio despesista, ou, como agora, usando a capinha da contenção.
Antes de a velha Europa se transformar previsivelmente num rancho cozido a pressão em panela defeituosa, a Velha Albion já tinha conhecido as palavras e acções da Morgan le Fey do neoliberalismo, talhante das medidas sociais e dos direitos humanos. E, ao que parece, das contas públicas também. Há 24 anos, Thatcher crivou como ninguém a política do ceifar a eito. Simplista, genérica e mecânica, como, período sim, período não, se acredita que o exercício do poder deve ser. Entre o “let ze grrrreeek guyzz go, let ze grrreeek guyzz go” de um exaltado corrector germânico, dirigido à União Europeia, e as medidas “reformistas” de Passos Coelho, pela cartilha do FMI, a filosofia de reestruturação socioeconómica em curso é plenamente ilustrada pelo discurso da “dama de ferro”. Económica? Possivelmente. Social? Nunca.
"I think we've been through a period where too many people have been given to understand that if they have a problem, it's the government's job to cope with it. 'I have a problem, I'll get a grant.' 'I'm homeless, the government must house me.' They're casting their problem on society. And, you know, there is no such thing as society. There are individual men and women, and there are families. And no government can do anything except through people, and people must look to themselves first. It's our duty to look after ourselves and then, also to look after our neighbour. People have got the entitlements too much in mind, without the obligations. There's no such thing as entitlement, unless someone has first met an obligation."
(Margaret Hilda Thatcher, Primeira-Ministra Britânica (1979-1990), revista Women's Own, 31 de Outubro de 1987)
Li um artigo muito interessante, escrito por um professor de Política Social, que compara o modus operandi de Thatcher (diferenciado apenas terminologicamente) ao do actual Primeiro-Ministro britânico, David Cameron:
“She said the state was inefficient as a service provider; that public expenditure inhibited wealth creation and created dependency, and that we should turn instead to the market.
She aimed to cut public expenditure. She reduced welfare benefits and stigmatized people receiving them as dependent and scroungers. She called for an expansion of self-help and voluntarism. Her critics said that she weakened UK economic performance, increased economic inequality and reduced social mobility. They argued that her reforms increased social divisions, undermined social cohesion and had particularly damaging effects on the regions, Scotland and Wales and their manufacturing industries.
She actually massively increased public expenditure on welfare benefits through increasing unemployment. Her reduction of expenditure on the health service seriously undermined its performance and meant that being seen as looking after the National Health System has become a watchword ever since for any leader who wishes to be elected and remain in power.
(…)
So what is the difference between devaluing and discounting society and talking it up – between no society and "big society"?”
Descubra as diferenças.
26.9.11
25.9.11
22.9.11
Orçamento de Estado 2012
Por aquilo que vou lendo, percebo que continuará a não existir verba para o Civismo. Seria interessante, porém, prever taxação de IVA a 23% de cada vez que ele se mostrasse ausente. Aí sim, era arrecadar. E, já agora, considerar
taxa agravada sobre a expressão "é assim", o cabelinho à foda-se, os sapatos de vela e os mocassins em camurça (com possível agravamento se usados sem meias), as calças descaídas abaixo do rabo, as havaianas - que também se usa muito e nem sempre é muito estético -, toda e qualquer peça de vestuário com bandeiras, velas e animais, e ainda óculos com hastes em massa de cor? Ah, e também as aparições públicas da Mariza.
taxa agravada sobre a expressão "é assim", o cabelinho à foda-se, os sapatos de vela e os mocassins em camurça (com possível agravamento se usados sem meias), as calças descaídas abaixo do rabo, as havaianas - que também se usa muito e nem sempre é muito estético -, toda e qualquer peça de vestuário com bandeiras, velas e animais, e ainda óculos com hastes em massa de cor? Ah, e também as aparições públicas da Mariza.
Não podemos aliviar as finanças com o Ronaldo? Seria interessante traficá-lo, de preferência enquanto é bonito, rico e um grande jogador.
Também gostaria que os senhores metidos na cave a rabiscar números entendessem que o conceito de "taxa adicional de solidariedade" é um oxímoro... Ou será uma antítese?
21.9.11
Hard copy 44
Uma "notícia" (cortesia TVI24, pois claro), que ilustra na perfeição o abuso de certos elixires bucais.
"Um país que importa tudo mas não se importa com nada." (*)
"O português assimila de preferência todas as variedades de importação e em
descrédito das próprias maravilhas regionalistas; o comércio e a indústria têm
quase sempre de se mascararem de estrangeiros para serem eficazmente
rendosos. É porque todas essas variedades da importação cumprem mais
exactamente as exigências dos mercados do que os nossos comércios e
indústrias regionalistas. Estas não satisfazem nem as necessidades nem as
transformações sucessivas das sociedades, enquanto que a importação aparece
sempre como uma surpresa e, sobretudo, obedecendo a todas as condições do
que é útil, prático, actual e necessário. De modo que nem chega a haver luta – a
importação entra logo com o rótulo de vitória."
descrédito das próprias maravilhas regionalistas; o comércio e a indústria têm
quase sempre de se mascararem de estrangeiros para serem eficazmente
rendosos. É porque todas essas variedades da importação cumprem mais
exactamente as exigências dos mercados do que os nossos comércios e
indústrias regionalistas. Estas não satisfazem nem as necessidades nem as
transformações sucessivas das sociedades, enquanto que a importação aparece
sempre como uma surpresa e, sobretudo, obedecendo a todas as condições do
que é útil, prático, actual e necessário. De modo que nem chega a haver luta – a
importação entra logo com o rótulo de vitória."
In "Ultimatum Futurista", Almada Negreiros, 1917
(*) Nas palavras sábias do meu colega Pedro B.
I gotta feeling (this shit is about to go)
Acho que isto resume elegantemente a ideia.
De acordo com os editores do site de “música ligeira” Popjustice, estas são as frases que deviam ser erradicadas de futuras canções da Rihanna:
1. In the club
2. In the air
3. At the bar
4. On the bar
5. On the floor
6. Up on me
7. Up on the floor
8. Tell the DJ
9. I know you like it
10. You know I like it
11. Oh oh oh oh oh oh
12. Yeah yeah yeah yeah yeah yeah
13. Go o o o o o
14. Turn me on
15. Turn it up
16. Pump it up
17. Pump it more
18. Feel the beat
19. Bad boy
20. Bad girl
Parece-me a mim que teria de se eliminar este fraseado de 99% da actual música popular dita “negra” de proveniência duvidosa, normalmente anglo-saxónica. Acontecendo isso, todo o soul e hip hop manhosos, em particular com o dedo untuoso de Will.I.Am, assim como todo o europop da fábrica de acrílicos Guetta & Cia. deixariam de ter razão de existir. Se os tentáculos da chungaria mercenária libertassem os estúdios, poderíamos voltar a ter um pouco de soul, de pop e, quem sabe, até de funk, sem cornetas sintéticas (a.k.a. autotune) por todo o lado. Talvez diminuisse, até, o número de fenómenos de popularidade embalados a vácuo no crânio de teenagers de todo o mundo. Por entre o lixo encontram-se algumas batidas com piada e uma nuances inovadoras, mas a imbecilização de textos e música massificou-se de tal forma que o mainstream da música urbana se transformou num aterro sanitário. Quando já ninguém aguentar o cheiro, parece-me que haverá, forçosamente, um regresso às raizes, aproveitando apenas o elemento criativo da tecnologia. Afinal, até quando se consegue processar ao quilo no Logic Pro as mesmas 20 frases?
20.9.11
Deus Woody
Woody Allen em Sleeper (1973)
Fujiu-lhes o dedo
Não deve ter sido intencional, imagino. Uma coisa tipo subliminar, visto que, de qualquer maneira, nunca ninguém presta atenção aos url. Mas não me parece. A rebelião jornalística foi um mero e (in)feliz lapso. Venham mais destes!
(Obrigado, P.)
16.9.11
Isto, sim, tem piada!
Grande Eládio Clímaco. De tanga. Em Ibiza. "Destapado". Hilariante.
PT, Licor Beirão, McDonalds, Crédito Agrícola, Frangos de Moscavide, anyone?...
Vai vir charters da China a mim não me assiste
Não é que a estupidez, muitas vezes, não tenha piada. Devia, aliás, ter sempre piada, ao invés de ser quase sempre revoltante e letal. O que é deprimente é a glorificação da estupidez (e dos estúpidos) e a sua industrialização com um alegre chapéu de irreverência e espontaneidade. Mas não é irreverência, e muito menos espontaneidade. É o primarismo mais calculista. Um esfreganço nas partes baixas do denominador comum e uma paupérrima desculpa para a total ausência de criatividade. E, tontinho, este país continuará a facturar com a cretinice, porque quem factura e se ri no fim, são, invariavelmente, os cretinos. Favor verificar.
14.9.11
12.9.11
Cirurgia
Perdi a cabeça. Parti-a em pedaços tão pequenos que se tornaram inconciliáveis. Perdi rasto de uma cabeça inteira. Tenho fragmentos que se arrastam para uma conciliação distante. São um ameaço de noção e sobras de sentimento. Pó de lágrima. Seria talvez mais fácil varrer esta merda toda, mas uma cabeça, mesmo desfeita, agarra-se desesperadamente à crença de um corpo.
Fotografia: Todd McLellan ("Typewriter")
8.9.11
Cabeça no ar
André - Valha-me Deus, valha-me a Santa!
João - Hoje estás como o bacalhau.
André - ...
Ilustração: André Letria
Soluções para a crise 9
Estou convicto de que a solução para a crise passa por pequenos gestos práticos no dia-a-dia, que devem ser optimizados em função das necessidades crescentes de poupança. Além disso são bons para o meio ambiente.
- Nunca, mas nunca, fazer pisca.
- Não perder tempo a atravessar no verde quando pode fazê-lo no vermelho, incluindo na presença de veículos em movimento (bem visto, igualmente, para o controlo populacional).
- Utilizar amiúde a expressão "não há palavras".
- Não escrever "obrigado" por extenso num email, quando "obg", "ob" ou "obr" basta.
- Pensando melhor, nem sequer perder tempo com esse gesto de inútil cortesia, eliminando igualmente anacronismos como "bom dia" e "se faz favor", na escrita e na oralidade.
- Alimentar o Facebook com a urgência dos seus pensamentos e não desperdiçar recursos a criar ou aprofundar relações significativas e duradouras.
- Entrar porta adentro quando um transeunte a segura, sem gastar preciosos minutos a rendê-lo ou a agradecer a atitude. É desejável que, nestas situações, entre o maior número de pessoas no menor tempo possível.
- Pedir ao taxista que ande ainda mais depressa, incentivando ziguezagues, travagens bruscas e acelerações tresloucadas, pois poupar tempo é seguramente mais importante do que a integridade física do passageiro, dos automobilistas e dos peões, já que a do taxista, assim como assim, até se penhorava.
- Ser compreensivo nos serviços, quando as meninas (porque são normalmente meninas) da caixa despacham afazeres pessoais, tais como terminar uma conversa telefónica com a amiga, a mãe, o marido, a tia, a irmã, o cão, o cão da irmã; efectuar uma reclamação à loja de cosméticos por causa da cor do verniz; estar ausente para almoço às 14.30h porque aproveitaram para ficar logo jantadas; contar anedotas ordinárias aos colegas; olhar fixamente para um papel minutos a fio escrevinhando e agrafando lenta e obsessivamente por razões seguramente urgentes que só elas conhecerão.
- Aguardar pacientemente que a pessoa à sua frente no multibanco efectue todos os pagamentos do mês e ainda meia dúzia de transferências, porque se é aborrecido ligar o computador, muito mais será aprender a saldar contas online (e os custos, e a electricidade?).
- Compreender que um médico de família não tem tempo a perder no contacto com os seus pacientes. Essa é a razão pela qual não desviam o olhar do monitor: não tiveram oportunidade de ir ao multibanco mas já aprenderam a utilizar a internet. Um bom médico de família, de resto, não perde tempo a analisar e a ponderar sintomas, vai directo ao diagnóstico e à medicação.
- Não despender qualquer energia a ser simpático, com conversinhas, sugestões, sorrisos e demais salamaleques, quando a antipatia é sequinha e faz o mesmo em menos tempo, sem gerar equívocos. Uma sociedade quer-se despachada, não simpática.
- Nunca colocar os caixotes do lixo do condomínio na rua quando alguém pode fazê-lo por si.
- Nunca conter-se se tiver de escarrar, arrotar, tirar macacos do nariz, urinar ou soltar um traque em locais públicos, povoados ou não. O SNS aconselha e a sua entidade empregadora (se a tiver) agradece.
- Adquirir um automóvel ostensivamente grande de forma a ocupar o maior espaço possível na estrada e no estacionamento. Tal representa um desencorajamento ao uso da viatura por parte de um vasto número de automobilistas, que passará a dispor de uma área menor de circulação, a não conseguir passar em certas ruas, a ter medo de levar uma passa de um SUV com vidros opacos e pára-choques sobredimensionados ou a sentir vergonha por não possuir um veículo igualmente volumoso.
Ilustração: Frank Chimero
7.9.11
Vem sempre a propósito
A Ana enviou-me esta imagem, e eu lembrei-me de uma citação de Edward Abbey:
Correu mesmo mal, não correu?
A comunicação possível
Dentro da categoria dos dejectos humanos há uma subcoisa que corresponderá mais ao menos à antropoformização da seborreia e do odor da estiva. Estas formas de vida cuja evolução intelectual sofreu os efeitos de muitos anos de consanguinidade e de um cruzamento genético com sobras de tripa e aparas de chispe, movimenta-se pelas cidades entre sarjetas, buracos, esquinas e aterros, muitos deles fujidos a um mais que provável fim na incineradora ou nas traseiras de um camião da DHURS. É quando se esgueiram para a cidade acoplados a automóveis em avançado estado de decomposição, que os completam e definem, em simbiótico atentanto ao meio ambiente, à invenção da roda e ao gajo que planeou a Criação. A única capacidade cognitiva manifestada é uma tendência compulsiva para vocalizar insultos, evocando sons do curral, dirigidos a transeuntes ou automobilistas homens que se despedem de um amigo com dois beijos, acompanhados por um olhar desafiante onde se percebe com dificuldade alguma forma de raciocínio mas se revela a preponderante postura raivosa de um pit bull com pila de pincher. Infelizmente, porém, não é permitido por lei o abate público desta vermícula desproporcionada, pelo que fica comprometido o recurso a caçadeira de canos cerrados, tacos de baseball ou mesmo espetos em alumínio, apesar da justificável função social. Enquanto se espera um decreto que imponha uma fumigação massiva, contribuindo desse modo para a normalização das contas e da higiene públicas, a coabitação é inevitável.
Que saudável regresso de férias, à urbe e sua diversificada fauna, onde o vírus da estupidez, sob a forma de preconceito, discriminação e ofensa continua a fazer vítimas. Evolução social? Como se diz em inglês: mon cul!
Subscrever:
Mensagens (Atom)
Arquivo do blogue
-
▼
11
(182)
-
▼
setembro
(20)
- "There is no such thing as society."
- Notas terapêuticas 5
- Isto & Aquilo
- Suburban sexy 24
- Orçamento de Estado 2012
- Hard copy 44
- "Um país que importa tudo mas não se importa com n...
- I gotta feeling (this shit is about to go)
- Deus Woody
- Fujiu-lhes o dedo
- Isto, sim, tem piada!
- Vai vir charters da China a mim não me assiste
- Suburban sexy 23
- Cirurgia
- Cabeça no ar
- Soluções para a crise 9
- Suburban sexy 22
- Vem sempre a propósito
- Speechless
- A comunicação possível
-
▼
setembro
(20)