9.11.07

O Exolcismo de Emily Lose

A voz é um instrumento mágico, capaz de proezas magníficas. Esta demonstração de versatilidade bruta merece uma audição atenta, de preferência com os olhos fechados e uma distância de segurança.

8.11.07

Má Sorte Ter Sido Puta

Recomendação literária para Carolina Salgado.

Um centímetro de memória


É gratificante quando alguém se lembra de nós e por razões há muito perdidas. Infelizmente. Se olhasse para trás com mais brio e menos pressa reencontraria momentos valiosos, definidores, e talvez percebesse melhor onde me situo. Realizar um programa como o Metro, que o Pedro Arinto ocasionalmente me passava para as mãos, e que albergou tanta gente com talento, ajudou a ilustrar e a definir-me o gosto (não apenas musical) – o qual, não sendo grande coisa, poderia sempre ser desastrosamente pior. Obrigado, Rui.

A derrota do trendy.
















A vitória do trengo.

Antra Cid


Antra Cid era um falso herói. Um carácter frágil e sugestionável, encandeado pelas manhas burguesas. Menino, temeroso, Antra cedo se afastou do justo e do belo. Adquiriu muitas pequenas coisas para se escudar em conforto efémero. Perdeu de vista os grandes desígnios que um dia julgou ter. Do seu ventre dilatado emanava uma auto confiança enfadonha que não tinha chão para se firmar. Pesava-
-lhe no estômago essa farronca que escondia tanta fraqueza. Cid coleccionava sedimentos com revestimento de vitória. Isso foi suficiente para se contentar, até que o pequeno castelo de fugas e vícios lhe tombou sobre a cabeça. Antra Cid percebeu então que era como sempre foi. Um tipo vulgar que quis ter um rei na barriga. Coçou a pança, arrotou a sua vanglória e suspirou uma última vez por todas as derrotas íntimas. Depois disso, esqueceu-
-se de reaparecer.

Razões profundas

O blog esteve em pane. De tempo, de motivação, de inspiração e de ideias. De vontade, de razão de ser, de interesse, de responsabilidade. E de irresponsabilidade. Neste momento está em pânico. Tenho de estudar a fundo a avaria e levantar uma nova série de hipóteses.

Vidas*


Estou convicto de que vou terminar os meus dias numa casa de repouso, no simpático Vale de qualquer coisa, piedosamente suburbanizado por quem me quer bem (quantos haverá?). Imagino-me a fazer cortes e colagens, macramé, bolos de bolacha sem café e carimbos de batata, para contrariar o irreparável défice de atenção. Até lá escolho consumir-me com o que está à mão.

(*Lá diz o meu irmão Pedro)

25.10.07

A Exposição Retrospectiva


"Já sabes que a minha alma, por mais lacerada que tenha sido, não ficou aí para um canto como uma flor lívida e solitária. Não lhe dei essa cor ou descor. Vivi o melhor que pude sem me faltarem amigas que me consolassem da primeira. Caprichos de pouca dura, é verdade. Elas é que me deixavam como pessoas que assistem a uma exposição retrospectiva, e, ou se fartam de vê-la, ou a luz da sala esmorece. Uma só dessas visitas tinha carro à porta e cocheiro de libré. As outras iam modestamente, calcante pede, e, se chovia, eu é que ia buscar um carro de praça, e as metia dentro, com grandes despedidas, e maiores recomendações.

— Levas o catálogo?
— Levo; até amanhã.
— Até amanhã.

Não voltavam mais. Eu ficava à porta, esperando, ia até a esquina, espiava, consultava o relógio, e não via nada nem ninguém. Então, se aparecia outra visita, dava-lhe o braço, entrávamos, mostrava-
-lhe as paisagens, os quadros históricos ou de gênero, uma aquarela, um pastel, uma gouache, e também esta cansava, e ia embora com o catálogo na mão..."

Dom Casmurro, CAPÍTULO CXLVII (1900), Machado de Assis

Do piorio


A música popular é pródiga em cuspir cançonetas que, de tempos a tempos, e desafiando qualquer lei racional, se transformam em monumentais êxitos. Tão monumentais que não nos conseguimos livrar da sua memória, por mais tempo que passe, como uma má recordação que insiste em nos bater à porta. O bombardeamento de que fomos alvos por parte destes bacamartes, através das ondas hertzianas e dos canais de TV, fruto das políticas de programação, das manigâncias das editoras e de insanidade sasonal generalizada, assegura a todas estas peças um lugar no panteão internacional do pechisbeque. É normal que haja na listagem uma preponderância das épocas de 80 e 90, tendo em conta a minha vivência, mas penso que falarei por quase toda a gente quando coloco estas 50 canções entre as mais enervantes jamais paridas. De qualquer forma, e a bem da democracia do gosto, existe escolha múltipla. Se quiserem, acrescentem.


Categoria: Não Havia Necessidade

“If You Tolerate This Your Children Will Be Next”, Manic Street Preachers
“Creep”, Radiohead
“It’s a Sin”, Pet Shop Boys
“The Drugs Don’t Work”, The Verve
"Killing Me Softly”, Roberta Flack
"Rat In My Kitchen”, UB40
“Um Dia de Domingo”, Gal Costa
“Imagine”, John Lennon
“What a Wonderful World”, Louis Armstrong
“Scandalous”, Prince feat. Kim Basinger

Categoria: Enterrem-nos Vivos

“You’re Beautiful”, James Blunt
“Candle In The Wind”, Elton John
“I Will Survive”, Gloria Gaynor
“The Power of Love”, Jennifer Rush
“My Heart Will Go On”, Celine Dion
“I Will Always Love You”, Whitney Houston
“Unbreak My Heart”, Toni Braxton
“Still Loving You”, Scorpions
“Livin' On A Prayer”, Bon Jovi
“Everything I do (I do it for You)”, Bryan Adams

Categoria: What the fuck?!...

“The Final Countdown”, Europe
“Barbie Girl”, Aqua
“Who Let The Dogs Out?”, Baha Men
“Don't Want No Short Dick Man”, CJ Gee
“Boys (Summertime Love)”, Sabrina
“Believe”, Cher
“Macarena”, Los Del Rio
“Girl, You Know It's True”, Milli Vanilli
“Saturday Night “, Whigfield
“Ghostbusters”, Ray Parker Jr.

Categoria: Tony Carreira Internacional

“The Lady In Red”, Chris de Burgh
“Feelings”, Morris Albert
“Hello”, Lionel Richie
“Heartbeat”, Don Johnson
Nothing’s Gonna Change My Love For You”, Glenn Medeiros
“When a Man Loves a Woman”, Percy Sledge
“How Am I Supposed To Live Without You”, Michael Bolton
“Do Ya Think I'm Sexy?”, Rod Stewart
“In The Air Tonight”, Phil Collins
“Right Here Waiting”, Richard Marx

Categoria: Não Há Royalties Que Lhes Valha

“I Should Have Known Better”, Jim Diamond
“My Favorite Waste of Time”, Owen Paul
“When Will I Be Famous”, Bros
“So Macho”, Sinitta
“Eye of the Tiger”, Survivor
“Ice, Ice, Baby”, Vanilla Ice
“Can’t Touch This”, MC Hammer
“Please Don’t Go”, KWS
“The Only Way Is up”, Yazz
“What’s Up”, 4 Non Blondes

Melhor anúncio da semana (outdoor)



DDB, Paris, para Henkel Superglue

Um grande bem haja e até uma próxima



Thu, 25 Oct 2007 02:27:41 -0700 (PDT)

From: Joao Madeira
Subject: Re: V/ reclamação contra a Redcoon - Proc. n.º 4874/07/PT
To: Euroconsumo

Bom dia.

Foram mal informados. A minha dispendiosa máquina fotográfica digital desapareceu misteriosamente nos correios de Barcelona. Depois de muitas, mas muitas diligências através de departamentos, papeladas e informações contraditórias, os CTT admitiram perder-lhe o rasto, não obstante o registo efectuado. Fui generosamente ressarcido do valor dos portes, após infindos contactos. Os CTT isentaram-se de demais responsabilidades porque eu não havia efectuado o seguro da encomenda. Pois claro. Diz bastante do serviço. A afamada empresa online Redcoon, cujo comportamento já nem vale a pena classificar, nunca me contactou nem chegámos a nenhum "acordo", pelo simples facto de a comunicação com ditos indivíduos se ter revelado uma tarefa hercúlea. Ao contrário das do herói mitológico, absolutamente intransponível. Também não parece ter feito qualquer diferença ter-vos enviado comprovativos do registo de envio, do tracking incompleto dos CTT, da desresponsabilização do site e da morada caducada que aí figurava, induzindo-me em erro, levando à não reclamação da máquina e ao "extravio", quem sabe, para casa de um diligente funcionário dos correios espanhóis. Depois das dezenas de horas perdidas, da paciência consumida e do sentimento de impotência, respondo-lhe só para dizer que aprecio muito a vossa burocrática preocupação. Podem, pois, em boa consciência, encerrar o caso, com o sentimento do dever cumprido.

Com os melhores cumprimentos,

João Madeira

Faster than a speeding bullet...


From: Euroconsumo

Subject: V/ reclamação contra a Redcoon - Proc. n.º 4874/07/PT

Euroconsumo@dg.consumidor.pt wrote:

Exmo. Senhor,

Relativamente ao V/ processo, fomos informados pelo
CEC de Espanha que V. Exa. terá chegado a um acordo
com a empresa relativamente ao conflito, apesar de
alguma dificuldade de comunicação.

Assim, e porque se encontram ultrapassados todos os
nossos prazos para intervenção, informamos V. Exa.
de que iremos arquivar o processo.

Atentamente,

Cecilie Bjørnstad Cardona


Centro Europeu do Consumidor
European Consumer Centre-Portugal

DIRECÇÃO-GERAL DO CONSUMIDOR
Pç. Duque de Saldanha, 31 -1.º
1069-013 Lisboa - Portugal
Telf.: +351 213 564 750/52
Fax: +351 213 564 712

euroconsumo@dg.consumidor.pt
http://cec.consumidor.pt

24.10.07

Batem leve, levemente, à janela de Polly Jean


Hoje estive a ouvir o novo disco de PJ Harvey, White Chalk, e apesar de o achar bonito, a monotonia conscientemente induzida não está fácil, não está fácil. Dir-se-
-ia que Harvey anda a abusar da medicação. Pontos altos (ou baixos, conforme se situem semanticamente): "Silence" e "When Under Ether". Uma peça complexa que Joshua Klein, crítico do site Pitchfork, traduz desta forma justa: "On the wrong day, at the wrong time, in the wrong frame of mind, White Chalk may be the longest half-hour in the world."

23.10.07

Red Bull dá-te asas e mais alguns extras


Não constitui propriamente uma novidade, mas a privação de sono é uma das grandes responsáveis pela irritação e instabilidade. Porém, não existiam até à data estudos muito aprofundados sobre o impacto mais alargado que tem sobre as emoções. Sabe-se que prejudica o sistema imunitário e desacelera o processo cognitivo (aprendizagem, memória…). E graças a investigações recentes, conduzidas pelo neurocientista Matthew Walker, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, sabe-se que os centros emocionais do cérebro reagem de forma exacerbada aos testes de privação, revelando um aumento de 60% na reactividade a estímulos negativos, criando um estado latente de curto-circuito (esta última observação científica é exclusivamente da minha responsabilidade). O facto de os estudos serem precursores prende-se com o conhecimento ainda incipiente do lóbulo pré-frontal, uma área do cérebro que mantém as emoções sob escrutínio, operando no seu controlo, e que é ainda relativamente recente na evolução humana. Walker considera que esta se pode mostrar impreparada para lidar com certos extremos biológicos, até porque a espécie humana é das poucas na natureza que se priva voluntariamente de sono, o que constitui uma bizarria. Para conhecer mais detalhes sobre a pesquisa e os seus resultados podem aceder à história original, aqui.

22.10.07

E agora, se me dão licença

vou dar um pulo ao ginásio e espalhar alegria pelo mundo.

Outras escatologias

Lembrei-me de partilhar que estou com prisão de ventre há uns dias, coisa que não acontecia há já algum tempo. Um dos poucos escapes para este mal simultaneamente prosaico e opressor (haverá melhor palavra?) é a vingança sobre a horda de anónimos mal encarados que nos cerca nas ruas e, pior, na clausura do banco, dos CTT, do Pingo Doce ao fim-de-semana, dos serviços públicos do mais variado calibre de incompetência e inutilidade e, sim, no bem-amado centro de saúde. Pena é não ter tido o ensejo de me peidar estrepitosamente na tromba gordurosa da Mena que me atendeu hoje, com a costumeira lanzeira, afamado agastamento e proverbial ineficácia. Em todo o caso, reparei que a peida gadocha mal descolava da cadeira e que um relógio mínimo se enterrava no pulso balofo e pensei, "''tás aqui 'tás ali, minha porca." Não me levem a mal, mas acordei para a semana no Largo do Intendente Pina Manique, onde fica situado o meu CC, com uma senhora que me gritou aos ouvidos na sua voz saliente de varina reformada: "Ai c***, c***, que já não ganhas p'rá doooooona". Perante tal evidência, não me resta mais do que peidorrar-me catarticamente e esperar que o mal passe.

We'll work it out together


Viagem de distância curta



Alex Gibney para Diana Andringa: “Olhe que não, olhe que não!”



Sérgio Trefaut, co-organizador do doclisboa 2007, e Alex Gibney, preparam-se temerosamente para o Q&A.



Não é só o layout de Taxi To The Dark Side que faz lembrar uma produção de Hollywood.

Valeu a deslocação, sem dúvida, mas o documentário de Alex Gibney é, talvez, demasiado profissional, demasiado técnico e demasiado, bom, 'americano', para se constituir como uma denúncia apaixonada. E o problema começa logo aí: que denúncia é essa? A política externa dos EUA sob a égide Cheney/Bush? A rejeição da Convenção de Genebra? O sinistro MO da CIA? Os métodos de tortura aplicados? As eminências pardas no seio do exército norte-americano? A morte injustificada do taxista afegão Dilawan? Se é o ponto de partida e o enquadramento para um retrato do que faz girar esta esquizofrénica máquina imperialista, falta-lhe dimensão humana, real. Mas ao pretender, e correctamente, fugir ao sensacionalismo, foge também ao verdadeira quadro trágico do que descreve, limitando-se a "apresentar-nos as coisas como elas são", com inegável rigor técnico. Porém, a brevíssima incursão pela história de Dilawan não basta para expor o carácter espúrio de uma guerra, desta guerra. As entrevistas telegráficas aos bodes expiatórios do governo não desvendam a loucura de ambas as partes. Também não se vislumbram as fibras da mentira e do medo que se confundem com a própria pele de uma sociedade. Por entre a revisão do maquiavelismo demente das posições oficiais e a exposição gráfica do monstruoso descontrolo dos soldados no terreno, paira a sombra do que fica por abordar: a inexplicabilidade da crueldade humana, um tópico que deveria ser interrogado de alma aberta e não geopoliticamente restrito. Por isso tudo, Taxi To The Dark Side é unicamente um filme bem intencionado.

A actriz guerreira

Quase todas as pessoas com quem falei que viram The Brave One, de Neil Jordan, referiram-se a ele como “o filme da Jodie Foster". Já tinha reparado nisso com uma atenção mais clínica e fui comprovar aquilo que sempre achei “no filme da Jodie Foster”. Lá estavam aquele misto de fragilidade e de determinação feroz, o olhar magoado, os lábios tensos e a voz profunda, o rosto de mulher madura com contornos intemporais de miúda reguila, a combinação estranhamente carnal de feminilidade e de fisicalidade seca. Não é de estranhar que Foster escolha eminentemente dramas e histórias complexas. Ela própria o disse: "Normal is not something to aspire to, it's something to get away from". As suas incursões na comédia não foram mal sucedidas (Maverick, em 1994; The Dangerous Lives of Altar Boys, em 2002) mas terão sido sobretudo motivadas por curiosidade lúdica e pelo prazer de exercitar outros músculos. Tem-se a impressão de que os filmes são pequenos demais para tamanha intensidade. Uma intensidade que perturba, quase fere, porque a exposição emocional da actriz é tremenda e a busca da superação constante. Ela domina-
-nos com autoridade pois o trabalho nunca está feito e não é feito sozinho. A actriz dá-nos pistas e nuances preciosas para que possamos construir a personagem e, ao mesmo tempo, entrever a personalidade que a constrói. Aí é generosa. Fora da tela, é rara, é um enigma, e faz todo o sentido que assim seja.

Poucos são os actores, hoje em dia, que valorizam tanto uma história: na compreensão polivalente dos diálogos, no entendimento do tom que a cena requer, na construção exemplar do pathos, na interacção com as demais personagens… Melhor do que ninguém, o realizador de The Brave One, Neil Jordan, e o co-protagonista, Terrence Howard, avaliam o impacto de Foster:

"She's got this remarkable thing where she quite effortlessly holds your imagination. She puts herself in that place and without question, as a member of the audience, I am there with her. And I don't know how she does it." (Neil Jordan)

"She’s Marlene Dietrich, Glenn Close, she’s Marlon Brando, all of them combined. Fifty years from now, the people who can say they worked with Jodie Foster and have that on their resume, I can see my grandkids looking at it and saying, ‘You worked with Jodie Foster?’ and them being amazed, like I marched with Martin. That’s what it was like for me.” (Terrence Howard)

É óbvio que há algo no magnetismo de um actor que não é traduzível e esse é um dos grandes mistérios e prazeres do cinema. O talento e a força de uma presença não escamoteiam, porém, as fraquezas essenciais de um filme. No caso de The Brave One, as ressonâncias que o desempenho de Foster desencadeia no seu (vasto) público extravasam os limites que a história lhe impõe. A esse nível teriam lugar outras apreciações, que já poriam a fita de Neil Jordan ao nível de uma banal história de vingança com duvidosa legitimidade sociológica e moral. No que me toca, o máximo que conseguiu foi dar umas amolgadelas na percepção da impotência perante os actos crescentes de agressão gratuita nos espaços urbanos, e nas consequências profundas que estes podem desencadear. Mas o esforço de tradução está todo nos ombros de Jodie Foster, porque o argumento peca por simplismo e alguma espectacularidade despropositada. De qualquer modo, a ver, nem que seja apenas pelo desempenho da sua actriz protagonista. Este, como outros, é “um filme da Jodie Foster”.

19.10.07

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