10.2.14
6.2.14
29.1.14
O lobby javardo e a infecção generalizada
Num desses canais de
notícias por cabo vejo Marinho Pinto a espumar alarvamente, como é seu
apanágio. A tendência imediata de carregar no comando da TV para afastar tão
repugnante figura é detida por um enfático “o lobby gay!”, repetido
duas ou três vezes para efeito dramático. Percebendo desde logo que se tratava
de um “debate” sobre a proposta de referendo, pensei por momentos que um
monumento vivo à irracionalidade poderia constituir o poster boy ideal de tamanha aberração. Porém, a realidade é bem
diferente e não tem graça nenhuma. O espectáculo da vileza é aplaudido por
muita gente com fome de retaliação arbitrária. A mediatização desta conversa
inane, dardejando ódio, constitui a melhor protecção do referendo. É o discurso
que convoca e galvaniza multidões para a queima em praça pública. Cujos urros
abafam a credibilidade de especialistas e a sensatez dos verdadeiros
argumentos. Facto já de si sobejamente demonstrativo e deprimente, Marinho
Pinto ocupa um lugar de responsabilidade na sociedade portuguesa, em concreto
na sua cada vez mais distante galáxia jurídica. É, por isso, legitimado como
barómetro moral. Tem garantido tempo de antena para metralhar sem ponderar uma
palavra, sem olhar sequer de relance para a extensão e gravidade dos danos que causa, começando nas crianças “que os gays [sic] usam como desculpa”
para reivindicar – indignem-se os demais cidadãos! – um direito aprovado em
parlamento e prescrito por todas as leis universais da decência.
Coerente, portanto, com os espancamentos que a actual governação inflinge a
esta pobre democracia e à sua trágica Constituição. Com os detritos largados
por uma bancada parlamentar e ratificados por um presidente. Em suma, com a
nojeira moral, social e política que se abateu sobre nós de forma aparentemente
irremediável.
Esta não é uma questão
tópica. Os palermas ululantes, entre bastonários e jotazinhas de
infra-inteligência, não são meras feridas. Se existe “um lobby”, visível e de
gigantesca vitalidade, é o dos grandessíssimos javardos – regentes e bufões –,
que infectaram todo um país e se ocupam a aniquilar o que sobra da sua
consciência.
16.1.14
Terra pródiga
A estupidez, com a convicção inoxidável da inanidade, espeta-nos o indicador nos olhos. Contorcendo-o, diz-nos que é correctiva e orientadora. O seu poderio reside em obliquar de tal modo os factos que os factos desaparecem. É um vírus, uma dor que não se sente, que conquista por negação, privação, encobrimento, manipulação. Porque é cega, quer que todos os sejam. Mas a estupidez prospera sob os telhados de quem a alberga. De quem não quer pensar e sentir. Até ficar sem nada para pensar, dizer e sentir. Resguardando-se no direito à estupidez, o estúpido militante encarrega-se de a disseminar como dever. Dessa potente virulência, em terreno fértil, nascem referendos à sua imagem e medida.
Ao ritmo dos Coen
Os losers dos irmãos Coen têm histórias pitorescas para contar, que reiventam o folclore americano. Nos tiques, na paisagem e na música. Neste cenário até há um piscar de olhos mais que literal a Bob Dylan. Inside Llewyn Davis é também a descoberta de um actor (e cantor!), Oscar Isaac, e a história de amor impossível entre um homem e um(a) gato(a).
9.1.14
História sem adornos
É
importante ver “12 Anos Escravo” porque é daqueles raros filmes que, sem
pestanejar, nos confrontam com a nossa condição. Com a plausibilidade de sermos
vítimas ou carrascos, sem retórica ou redenções. Claro que “é um filme
violento”, poderia ser de outra forma? Corre o risco de se institucionalizar
como “documento”, com tanto louvor e prémios que vieram e hão-de vir, mas
enquanto é o momento, colha-se o que Steve McQueen plantou com visceral franqueza.
Scorsese e as mulheres
Margot Robbie e Leonardo DiCaprio em The Wolf of Wall Street (2013)
“Roger
Ebert: In a lot of your movies, there's this ambivalent attitude toward women.
The men are fascinated by women, but they don't quite know how to relate to
them...
Martin
Scorsese: The goddess-whore complex. You're raised to worship women, but you
don't know how to approach them on a human level, on a sexual level. That's the
thing with Travis, the DeNiro character - the taxi driver. The girl he falls
for, the Cybill Shepherd character - it's really important that she's blond, a
blue-eyed goddess.”
Excerto
da entrevista de Roger Ebert a Martin Scorsese, em 1976 (que pode ser lida na totalidade aqui.)
Não sei que
tipo de relação Martin Scorsese teve ou tem com as mulheres da sua vida,
obviamente, e, olhando para a sua obra, tudo o que se possa dizer é
especulativo e possivelmente estéril. A verdade é que só me lembro de ver nos
seus filmes um papel feminino verdadeiramente forte, sensível e detalhado: o de Ellen Burstyn em Alice Doesn’t Live Here Anymore. Apesar de celebradas, as
personagens de Lorraine Bracco em Goodfellas e de Sharon
Stone em Casino
apresentam dimensões essencialmente caricaturais, bem enquadradas no folclore
dos seus filmes-de-Máfia. Parece haver uma preguiça, ou desinteresse – não
creio que seja incapacidade –, em explorar essa outra dimensão psicológica,
pelo que as mulheres são normalmente relegadas para uma função pouco mais que
decorativa, surgindo como leit motiv (Rosanna Arquette em After Hours; Cathy Moriarty em Raging Bull; mais recentemente, Cameron Diaz em
Gangs of New York
e Michelle Williams em Shutter Island), instrumento de manipulação (Stone; a vixen de época que Winona Ryder compõe em
The Age of Innocence), e, com maior frequência, vítima dos homens e pelos homens resgatada
(Jodie Foster em Taxi Driver; Barbara Hershey em The Last Temptation of Christ; Juliette Lewis e Jessica Lange em Cape
Fear; Michelle
Pfeiffer em The Age of Innocence; Patricia Arquette em Bringing Out the Dead). Após ver The Wolf of Wall
Street,
entristece-me que um dos últimos grandes realizadores norte-americanos passe de
uma máfia a outra com o mesmo entusiasmo e energia, e o mesmo aparente desprezo
pelas personagens femininas. A esse nível, se levamos algo do filme é porque
Margot Robbie confere às suas cenas as subtilezas que não estão no argumento e,
que, presumo eu, não se consideraram necessárias a priori. Certo, é um “filme de gajos”, como
são grande parte dos melhores de Scorsese, mas seria de esperar que, a esta
altura da sua carreira, a relação com o sexo feminino maturasse e se
aprofundasse a um nível que, mesmo secundário, pudesse oferecer algo mais do
que a presença apendicular e unidimensional (só para citar os papéis de maior
relevo) de Robbie e Joanna Lumley em The Wolf of Wall Street. Pior que isso, as cenas que
ilustram a violência exercida sobre a primeira não me pareceram sequer
honestas, mas um mero - e oportunista - mecanismo dramático. O cinema merece de
Scorsese um bom filme sobre mulheres, que ele provou saber fazer, no início da
sua carreira, com Alice e Boxcar Bertha.
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