4.5.12

De quem é o mundo de Mena?


Ao solapar inutilmente a web em busca de informação substancial sobre a socióloga Maria Filomena Mónica, por quem nutro uma simpatia aproximativa, percebo que a senhora desperta paixões, normalmente assassinas, entre opinadores de índole diversa. Parece-me que essas reacções derivam da raiva a uma certa esquerda iluminada, pessimista e condescendente da qual ela presumivelmente faz parte. Não sei se Maria Filomena é merecedora de tanta sanha amplificadora, mas desconfio que a importância a gratifica. Nas entrevistas que li, a autora de Bilhete de Identidade nunca renega a sua fina extracção – pelo contrário, enfatiza-a em demasia – e cheira-me que consideraria caviar um prazer demasiado mundano, se não ofensivo. Não tenho nem pretendo ter uma opinião fechada sobre Maria Filomena Mónica. Gosto de algumas coisas que escreve (nomeadamente as crónicas no Público), concordo com algumas das suas posições (sobre os exames de Português, por exemplo) e agrada-me o desassombro com que assume as suas opiniões e a sua vida, mesmo nos aspectos mais triviais, que, paradoxalmente, contradizem alguma grandiloquência intelectual. E então, a senhora é grandiloquente, sobranceira e contraditória. Do mesmo modo que é uma humanista perspicaz e insatisfeita. Parecem-me qualidades e defeitos mais aliciantes do que aqueles que se vislumbram usualmente no poleiro dos ajuizadores. Há dias, numa entrevista ao jornal i, a “Mena” disse coisas bem interessantes, entre outras de calibre inferior e até - horror - contraditórias.

Já tem dito que a incomoda sermos um povo subserviente. Como explica que continuemos assim, depois de tantos anos de democracia?

É preciso lembrarmos que o 25 de Abril foi um golpe de Estado, uma insurreição militar. Desde o século XIX até agora, em Portugal, os regimes foram sempre mudados por insurreições militares. Ora, a liberdade conquista-se. E nós nunca a conquistámos, foi sempre alguém que nos deu a liberdade. Em 1820 deram-nos o fim do antigo regime, vindo dos reis, com uma insurreição militar; em 1910, a República veio com uma insurreição militar; em 1926 foi uma insurreição militar que mudou o regime e abriu o caminho a Salazar; e em 1974 foi também uma revolta militar. Facto é que o povo não participou. E, ao não participar, torna-se um espectador alheado. Quando recebemos a liberdade dada e não temos de a conquistar, não a tratamos como nossa. A Constituição de 1822 diz: “O rei outorga.” “Outorga” significa “dá”. Foi sempre assim.

Dá que pensar e vai, de certeza, dar sustento a muita pena excitada. Mas a senhora volta aos livros e a caravana passa por cima das ideias. O habitual.

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