21.1.08

Resposta do misantropo à luz da vela



Olá. Estive a ler o excerto de Comunidade que me enviaste. Bem escolhido. Não leves a mal ter dito que o deixassem em paz. Referia-me à forma como se fala. De qualquer modo, acho que o L.P. teria apreciado mais humor e menos pompa. Não podias esperar melhor. Que fazem os canais generalistas para além de despejar sem clemência os seus dejectos sobre uma população entorpecida? Um escritor maldito, só se gerasse dinheiro, ou fosse coisa habitualmente escabrosa, daquelas que já quase tornam o L.P. num lírico neo-romântico. Não, brinco, decerto ele teria achado bestialmente irónico que a TVI o enfiasse no seu circo noticioso. E por falar em comunidade, é bem certo que se não é a casa é o carro e se não é o carro é o namoro e sem namoro é o bar e o álcool e as compras e com namoro as compras sérias e se calhar outra casa e outras coisas… E aquilo que procuramos para nos libertar é aquilo que nos aprisiona cada vez mais – prosaica e inevitável realidade. Por isso, e a propósito do que me dizes, é-me indiferente a casa dos outros se não é espaço que me seja útil. O bom gosto de terceiros é como estar ao relento numa noite fria: indesejável e impositivo. As torres de marfim são caras e requintadas, toda a gente sabe, por isso é que nós vivemos em casotas de cobre. Puxas o lustro e fica decente. Os espaços deviam ser aprimorados para povoação eufórica, não para contemplação solitária e considerações sobre a renda. Se mudares de casa desfaz-te dos móveis e não envernizes o chão. Olha, parte do empenho que se mete nos casulos podia reverter para o local de trabalho, para as ruas, para o empenho cívico, para o diálogo, para a intervenção… E já agora, ainda bem que viste alguém que te agradou. É das poucas coisas que nos faz levantar as antenas, e oxalá que outras coisas, sem tempo nem idade – o dedo indicador, os olhos, o tronco, a franja, a boca do chão. E com alguma sorte ainda esfregamos umas coxas, pachequianamente. Quero com isto dizer: não te fiques. Nem com o gosto, nem com os poisos, nem com os amigos dos outros. Reclama-os para ti e deixa-lhes a tua marca. De preferência à dentada.

Sempre teu.

2 comentários:

Anónimo disse...

A melhor coisa que podia ter neste momento, J.... it's you and me, truly.

João disse...

Virtualmente, pois.

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