10.1.08

Os Nossos Valores: Memorial da Irmã Lúcia


Por ocasião do centenário do nascimento da irmã Lúcia, foi reconstituída a sua cela no Carmelo de Santa Teresa, em Coimbra, onde viveu intensamente grande parte da vida de clausura. A esta mina de sensações místicas se deu o nome de “memorial”. Um espaço minimalista porém denso, erigido em memória da vidente das aparições de Fátima, cujo espólio contempla, para além do seu hábito, alguns objectos oferecidos, nomeadamente uma batina e um paramento do Papa João Paulo II. De acordo com a Ordem, “o espaço serve para mostrar os objectos pessoais, algumas cartas que recebeu e lembranças variadas”. Abre-se assim ao público uma nova dimensão da vida e obra desta indomável oradora e causídica espiritual. A mulher debaixo do hábito, a sonhadora dentro da cela. Para além do radiador eléctrico com resistência, que lhe serviu de consolo nas horas duras, podemos ainda vislumbrar um televisor Audinac, indiciando que a irmã seguia o estado do mundo em 37cm, já a cores, pelo menos desde os anos 80. O manuscrito, não publicado, que a religiosa preparou para dar resposta a tantas cartas de devotos, contendo pensamentos e reflexões que exprimem catequeticamente a sua espiritualidade cândida, aí se encontra, fechado num pequeno cofre. Depois da morte da autora, o Carmelo sujeitou o texto à aprovação da Autoridade Eclesiástica, mas ninguém conseguiu decifrar o conteúdo. Tal poderá dever-se a um mais elevado desígnio críptico ou à forte miopia que a afligia desde tenra idade. Dúvida que ainda hoje preside à discussão sobre a descrição enevoada da ocorrência mística e suas declinações. Entre as lembranças que povoam o reduto da intervenção metapsíquica de Lúcia contam-se diversos brindes de bolo-rei, um par de sandálias de atilhos, duas pilhas alcalinas, uma escalfeta, a Bíblia ilustrada e um pratinho de frutas cristalizadas, de onde a carmelita sentia emanar a presença de Nossa Senhora. O memorial, assinado pelo arquitecto Florindo Belo Marques, foi custeado pelo Carmelo e por donativos norte-americanos, irlandeses e espanhóis, em troca da concessão de graças. Este espaço museológico é dotado de “uma sala multimédia” com um projector de slides, sistema de som estereofónico e capacidade para 40 beatas. Construído intramuros, o memorial preserva a intimidade das carmelitas, que vivem em clausura. Uma porta exterior assegura o acesso dos visitantes, em busca de milagres ou de inspiração, sendo que a manutenção do espaço, segundo a prioresa Maria Celina de Jesus Crucificado (I kid you not), será feita “por Obra e Graça do Espírito Santo”. As próprias religiosas ficam impedidas de se deslocar à cela-museu, pois encontra-se fora dos limites do locutório. Um sistema de intercomunicação sem imagem garantirá respostas às inúmeras questões dos crentes, dos peregrinos e da malta em geral. Através de uma caixa colocada estrategicamente ao lado dos óculos de massa da irmã Lúcia, os visitantes poderão efectuar doações ao convento. As carmelitas vivem sobretudo da produção de mais de 100 mil partículas de hóstia por semana, feitas a partir de cerca de 50 kg de farinha de trigo. Menos mal, que para já não se prevê disputarem o merchandising ao santuário original.

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