1.2.06

Crash


Ontem à noite um senhor atirou-me violentamente contra um carro. Um senhor preto.
Acabei por não saber o que o senhor pretendia, mas rosnou algumas incongruências num português semi-críptico e com um sotaque familiar. Ameaçou-me, disso estou certo, mas não me roubou. Apenas me manteve preso ao carro enquanto me agarrava pelo pescoço. Pude reparar que vários piercings lhe adornavam as beiças, as orelhas, o nariz, enfim, a tromba em geral. Era tarde, a viela escura, como convém, e um senhor preto, de 1,85, com braços possantes, mantinha-me encostado a um carro enquanto o seu instinto animal lhe ditava se havia de sacar da naifa ou não. Não me lembro de ter tido alguma reacção particular. Não senti nada naquele momento, mas o sobrolho manteve-se levantado. Se o senhor preto quisesse espetar-me, não havia nada que eu pudesse fazer, nem contra a sua determinação nem contra o cavalo que lhe boiava no sangue. Ouvia-o grunhir e, a dada altura, um compincha que surgiu da sombra fê-lo largar-me. Avancei determinado em direcção à avenida iluminada e só então o meu coração falhou uma batida. Não tive uma reacção interiormente pacífica, porém. Se um gajo me empurra à bruta contra um carro no meio da rua, me segura pelo pescoço e considera a hipótese de me aleijar seriamente… Só porque quer e pode… Se fosse baixinho se calhar não podia. Se fosse um chinês enfezado também não. Se fosse um junkie branco macilento talvez não houvesse história.
Bom, chamem-me politicamente incorrecto, mas eu quero, e posso, chamar-lhe senhor preto de merda.

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