18.6.12

O plágio é a nova criatividade


"Se não podemos pôr o cavalo a correr em slowmo pômo-lo a relinchar em Auto-Tune, 
mas estás à espera do quê?!..."

Numa crónica escrita há uns meses para o Jornal Económico, a propósito desta e daquela sirénica "controvérsia" na publicidade portuguesa, o estimado Eduardo Cintra Torres pondera o seguinte:

"Hoje, a cópia tornou-se viral; perdeu o forte valor negativo que ainda tinha no século XX. Estudantes copiam da Internet, jornalistas copiam dos outros media, escritores copiam livros doutrem, porque não haveriam os publicitários de se inspirar noutros conteúdos audiovisuais?

Nos dois casos referidos, o plágio ou cópia impressiona por estar tão próximo no tempo dos originais. Os anúncios da Optimus e da PT sacam ideias e materiais de conteúdos recentíssimos. Parece-me que o mundo publicitário desenvolveu um pacto de não-agressão, que permite aos "criativos" imitarem hoje porque poderão ser imitados amanhã. O número de ideias novas é finito, pelo que a publicidade aceita como regra do jogo entrar numa espiral sem fim de "tu copias-me, eu copio-te", sem originar, como no final do século XX, ofensas de publicitários com casos gritantes de plágio ou imitação. Tal como se copiam materialmente filmes e músicas para o computador, com três cliques no teclado, copiam-se anúncios ou vídeoclips em recriações mais ou menos plagiadas sem que o plagiado mexa um dedo. A sociedade hipermediatizada resolveu assim, pois, a espiral do plágio: banalizou-o, naturalizou-o e inocentou-o informalmente.

O espaço público na Internet não deixa escapar o crescente assalto intertextual; o mesmo aconteceu agora. Descobrir referências intertextuais é sempre um prazer, mesmo quando resultam de cópias ou plágios e não de meras inspirações. Mas, ao contrário do que sucedeu em casos anteriores, desta feita os internautas foram muito lenientes com os publicitários da PT. Julgo que o motivo é este: o anúncio da PT é visualmente espectacular e a canção "Sail" (navegar, mesmo a calhar), de Awolnation, encaixa como uma luva."

O que Cintra Torres diz é desconcertante. Por um lado evidencia o que se tornou prática quotidiana e escancarada no universo criativo. Por outro, sublinha o sentido de timing como único aspecto discutível, terminando a fazer o que me parece a apologia do plágio, baseada no preceito da boa execução. Simplesmente, e dado o flagrante aproveitamento da ideia, tom e maneira da peça que o precedeu, o anúncio em causa está no limiar do roubo, a léguas do espírito de recriação ou reaproveitamento defendido por muitos criadores ao longo de gerações, como é o caso ilustre de Mark Twain. Com base nestes pressupostos perniciosos (e convenientes?), deixaria de existir propriedade intelectual e o aforismo de Edison veria retorcida a sua lógica para "criatividade é 1% transpiração e 99% inspiração (no esforço alheio)". O trabalho criativo era para Edison, e, quero crer, é-o ainda para a maioria das pessoas que lida com ideias como modo de vida, duro e honesto. Se o mérito no processo de concepção, desenvolvimento e implementação de uma ideia (que é, já o sabemos, compósita por definição) for substituído pelo elogio da execução técnica feito por foristas virtuais amantes "da boa fotografia", qualquer Zé Careta com ideias próprias, um módico de competência e boas notas a História pode reescrever um romance de Mário de Carvalho. A editora atavia-o com uma capa dura e acetinada, desenhada por alguém que gosta especialmente do labor de, digamos, Ana Boavida e João Bicker, e teremos facilmente uma obra de grande fulgor artístico. Como se a criatividade se tivesse transformado num grande irmão da reciclagem discricionária, onde a marca de alguém é prerrogativa de todos, a pilhagem ascende a método e o estardalhaço imediato se converte em único objectivo. Faz sentido.

(Uma perspectiva pedagógica sobre o assunto, aqui.)

2 comentários:

Eduardo Cintra Torres disse...

Olá, acabo de ver o comentário ao meu artigo sobre plagio. Não faço a apologia do plágio, constato uma realidade da sociedade mediatizada contemporânea. É tudo discutido, é tudo discutível no plágio. Mas é verdade que no meu artigo perpassa uma inquietação sobre o plágio, não por eu o aceitar, mas por ser aceite pelo próprio universo dos "criativos" publicitários, que se calam.
Saudações cordiais,
Eduardo CT

João disse...

Viva. Obrigado pelo seu esclarecimento. Sim, parece existir um acordo tácito entre os profissionais do meio. A tal permissiva conveniência...

Arquivo do blogue