30.6.11

Coisas que gostaria de ter dito 14


"Mellow doesn’t always make for a good story, but it makes for a good life."

Anne Hathaway (Harpers Bazaar, Junho 2011)

Ilustração: Eleonora Arroyo 

29.6.11

Pontes para o passado


No tempo de Salazar havia muitas pontes. Quase todas chamadas Salazar. Não havia tantas pontes antigamente como hoje há rotundas, mas também eram inauguradas com grande alarido. Perto de Santa Comba Dão as pontes ainda mais se chamavam Salazar. E possivelmente as hortas, as carroças, a mesa de jantar, a festa domingueira e até as ovelhas favoritas. Algumas estão submersas, como a bonita Ponte Salazar de Foz do Dão, a cuja inauguração em 1935 acorreram multidões, incluindo as ovelhas, porque não havia habitantes suficientes. Também não havia indianos do Martim Moniz portanto tiveram de se amanhar de outra maneira. Em Coimbra, a minha cidade que nunca foi minha nem nunca me quis, também existia uma ponte que não sei se se chamava Salazar, mas que tinha ar disso. Depois construíram outra e inauguraram-na por entre um mar de gente vinda sabe-se lá de onde, incluindo as ovelhas de Santa Comba Dão, porque não existiam assim tantos portugueses em Portugal. Se calhar vieram das ex-colónias ou do exílio. Parece que serviram aperitivos, que Salazar, o original, acenou mais de perto e que deram sacos de serapilheira de lembrança. Durante algum tempo as duas pontes ainda coabitaram, como o Passos Coelho e o Portas, mas depois uma delas foi ao ar. A ponte mais recente não se chama Salazar porque entretanto se desenvolveu o branding. Ainda lá está. E Coimbra, também, consta.

"I love you, your music is fucking brilliant."


"One person I would like to say hello to is Kate Bush - I love you, your music is fucking brilliant. You know what, Kate we are worthy! That's enough from me. Now let's get pissed."

Johnny Rotten, Q Awards, Outubro 2001 

Kate Bush é um génio. Ou talvez tenha sido, não sei bem. O certo é que aquilo que fez é suficiente para lhe garantir lugar cativo no olimpo criativo e ainda vir cá abaixo ensinar um par de coisas às futuras gerações. Enfim, não sou eu que o digo, é Prince. E Robert Smith. E Maxwell. E Tori Amos. E Rufus Wainwrigth que, como é uma flor de angorá lilás, a elegeu como ícone gay. Caraças, até Johnny Rotten faz uma vénia (à Johnny Rotten) a Kate Bush. Mas a diva está talvez demasiado alienada, mais obsessiva do que inspirada, mais matrona que sensual. A viver reclusa numa quinta onde o tempo se mede em Kate-unidades, dedicada à barrela e aos trabalhos de casa do puto, com a doce mordomia que os royalties lhe proporcionam, Kate ocupa os tempos livres a revisitar algum do seu reportório, com um copo de bom tinto na mão e a ocasional cigarrilha por companheira. Liga a uns amigos, que vão regravar as pistas ao estúdio privado, perdido na mata, e manipula-as com o requinte e a languidez de uma senhora autora. Ouvir o resultado deste torpor privilegiado é como observar o fogo-fátuo emanado de um corpo. É intenso, impressiona, mas biologicamente não deixa de ser um cadáver que se decompõe. Já foram músicas com um espírito, únicas e determinantes. A sua intenção ficou vincada, o seu efeito é perene. Mas Kate, por insatisfação ou tédio, ou, diz-se, necessidade de reafirmar a sua posição à beira do lançamento de um novo álbum (não acredito, Aerial data de 2005 e levou 12 anos a ser gerado), levou-as à faca e deu-lhes, invariavelmente, a face de um tempo que já pesa e de uma identidade que enrouquece. A beleza das canções só se percebe porque elas já existiram. E existem. Esta reciclagem pesarosa será sempre uma obra de qualidade, mas só é relevante porque falamos de Kate Bush. Porque ela deu ao mundo Hounds of Love. Porque foi pioneira em quase tudo. Porque nunca obedeceu senão à sua própria visceralidade. Porque criou e foi viver num imaginário absolutamente original. Por isso é que eu sinto falta do génio que Director’s Cut, de certeza, não nos devolve.

P.S. E como o tempo ridiculariza todas as opiniões e sabichices, a minha avaliação de Aerial, em 2005, é tonta em quase tudo e em particular no que respeita à beleza dos textos. Só depois de algumas audições, menos ressentimento e maior investimento, percebi, pois com certeza, que um génio nem sempre se consegue fazer entender por idiotas opinativos. Talvez daqui a uns anos a minha opinião sobre Director's Cut mude. Oxalá.

9.6.11

Arte em poster





















Alguns dos melhores cartazes de cinema de sempre.

3.6.11

Na crista da onda

Há coisas do caraças. Sugeriram-me que prestasse atenção à letra de “Capitão Romance”, dos Ornatos Violeta (obrigado, F.S.). Não conhecia, nunca liguei aos Ornatos, apesar de gostar bastante do “Ouvi Dizer”, mas a coisa ficou-se por aí. O texto é oportuno e tocante. Coincidências maradas do destino, descobri que faz parte da banda-sonora do filme Rasganço, em que trabalhei (que nunca vi acabado) e que marcou a fase mais decisiva da minha vida, a que (re)configurou o meu percurso pessoal e profissional. Enfim, que ironia esta. Geminada com o passado surge esta evocação de um ponto de partida que contrasta, tão dolorosamente, com os seus resultados. Não só não podes fugir do que és como o agora é um acumulado galeriano de camadas de ilusão. 


"Não vou procurar quem espero
se o que quero é navegar
pelo tamanho das ondas
conto não voltar

parto rumo à primavera
que em meu fundo se escondeu
esqueço tudo do que sou capaz
hoje o mar sou eu

esperam-me ondas que persistem
nunca param de bater
esperam-me homens que desistem
antes de morrer

por querer mais que a vida
sou a sombra do que sou
e ao fim não toquei em nada
do que em mim tocou

eu vi...
mas não agarrei
eu vi...
mas não agarrei
eu vi...
mas não agarrei
eu vi...
mas não agarrei...

parto rumo à maravilha
rumo à dor que houver pra vir
se eu encontrar uma ilha
paro pra sentir
e dar sentido à viagem
pra sentir que eu sou capaz
se o meu peito diz coragem
volto a partir em paz

eu vi...
mas não agarrei
eu vi...
mas não agarrei
eu vi...
mas não agarrei
eu vi...
mas não agarrei
eu vi...
eu vi...
eu vi...
mas não agarrei..."

Fotografia: Alec Soth  

Hard copy 38


Indeed.

2.6.11

Deliciosa coerência

  
Naomi Campbell não é um tópico que me venha à cabeça quando penso em publicar um post. O meu interesse por top models que se dedicam eminentemente a atirar telefones ao staff e a aceitar presentes de ditadores é equivalente à curiosidade que me desperta o arremesso de anões nos Antípodas. A não ser que os E.U.A. clonassem a Naomi e criassem um exército de amazonas perturbadas para intervir em cenários de guerra onde a estratégia consistisse em ter ataques histéricos, correr em saltos altos e esgadanhar os adversários. Isso, em concomitância com o uso de anões como munição, poderia ser uma solução letal, em caso de desespero. Uma alternativa mais em conta seria usar o ego de Campbell como plataforma militar. Mas enfim, divago. Isto a propósito do processo que a rapariga moveu à Cadbury, alegando racismo e assim, sendo que, aparentemente, cavalgar um coelhão de chocolate semi-nua e com ar guloso não é de forma alguma objectável, não objectifica a mulher negra e é, de uma forma geral, uma coisa doce e boa. Daqui se retira que, em última análise, os telefones e os diamantes de sangue saem caros.

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