23.2.10
As farmacêuticas são o mal
ionline, 22/02/10
Em 2001 John le Carré publicou o romance The Constant Gardener ("O Fiel Jardineiro"). Os paralelos da narrativa com o processo judicial movido pela Nigéria à farmacêutica Pfizer são prontamente apontados por muitos comentadores. Anos mais tarde o livro daria origem a um filme de sucesso realizado pelo brasileiro Fernando Meirelles, no que terá sido um dos poucos casos de denúncia das constantes práticas inescrupulosas de empresas desta natureza a atingir o mainstream cultural. Na altura, Marcia Angell, antiga editora do New England Journal of Medicine, escrevia, no New York Review of Books: "In fact, many of the practices that so horrified le Carré's heroine are fairly standard and generally well known and accepted." Em 2009, o estado de Kano aceitou uma indemnização de 75 milhões de dólares para pôr fim à acção que acusava a farmacêutica de provocar a morte e lesões permanentes a inúmeras crianças em que testou um medicamento contra a meningite. A ganância, a incúria e o desprezo pelas vidas que deveriam preservar é a tónica dominante no dia-a-dia destas corporações, e hoje veio a lume mais um escândalo, desta vez envolvendo a GlaxoSmithKline. Não num qualquer país do Terceiro Mundo, onde a informação é facilmente abafada, mas no epicentro da civilização capitalista. Onde, como em qualquer outro sítio, tudo se compra, incluindo as entidades reguladoras, e as vozes incómodas são afastadas com recurso a expedientes mais ou menos radicais. E a situação é agravada pela permissividade das leis, pela falta de idoneidade dos responsáveis pela supervisão, por médicos de algibeira que receitam qualquer patranha que lhes dá um brinde e por farmacêuticos irresponsáveis ou sem formação. Venham a medicina tradicional chinesa, a homeopatia, as mezinhas populares, que seja, para nos pôr a salvo desta praga.
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