Num desses canais de
notícias por cabo vejo Marinho Pinto a espumar alarvamente, como é seu
apanágio. A tendência imediata de carregar no comando da TV para afastar tão
repugnante figura é detida por um enfático “o lobby gay!”, repetido
duas ou três vezes para efeito dramático. Percebendo desde logo que se tratava
de um “debate” sobre a proposta de referendo, pensei por momentos que um
monumento vivo à irracionalidade poderia constituir o poster boy ideal de tamanha aberração. Porém, a realidade é bem
diferente e não tem graça nenhuma. O espectáculo da vileza é aplaudido por
muita gente com fome de retaliação arbitrária. A mediatização desta conversa
inane, dardejando ódio, constitui a melhor protecção do referendo. É o discurso
que convoca e galvaniza multidões para a queima em praça pública. Cujos urros
abafam a credibilidade de especialistas e a sensatez dos verdadeiros
argumentos. Facto já de si sobejamente demonstrativo e deprimente, Marinho
Pinto ocupa um lugar de responsabilidade na sociedade portuguesa, em concreto
na sua cada vez mais distante galáxia jurídica. É, por isso, legitimado como
barómetro moral. Tem garantido tempo de antena para metralhar sem ponderar uma
palavra, sem olhar sequer de relance para a extensão e gravidade dos danos que causa, começando nas crianças “que os gays [sic] usam como desculpa”
para reivindicar – indignem-se os demais cidadãos! – um direito aprovado em
parlamento e prescrito por todas as leis universais da decência.
Coerente, portanto, com os espancamentos que a actual governação inflinge a
esta pobre democracia e à sua trágica Constituição. Com os detritos largados
por uma bancada parlamentar e ratificados por um presidente. Em suma, com a
nojeira moral, social e política que se abateu sobre nós de forma aparentemente
irremediável.
Esta não é uma questão
tópica. Os palermas ululantes, entre bastonários e jotazinhas de
infra-inteligência, não são meras feridas. Se existe “um lobby”, visível e de
gigantesca vitalidade, é o dos grandessíssimos javardos – regentes e bufões –,
que infectaram todo um país e se ocupam a aniquilar o que sobra da sua
consciência.