19.1.12

A ética, essa furtiva realidade


Este interessante artigo, num blog não menos interessante, suscitou-me um comentário que, a ser reprimido, acabaria por se transformar num post bastante azedo e cheio de analogias desagradáveis. De modo que assim antecipo a questão e desgasto um bocadinho menos o(s) sistema(s) nervoso(s). Ou talvez não. Esta história das nomeações do Passos é mais do mesmo, e receio bem que sejamos derrotados pelo cansaço e pela indiferença antes mesmo de a bancarrota se encarregar disso. Mas, bom, desde que dê para um prazeiroso debate epistemológico. Aqui reproduzo a conversa* para os (des)interessados nestes assuntos envolventes. E embora a minha aparente inflexibilidade seja – suspeito eu – despachada com uma bofetada de luva branca, fico satisfeito por ver o autor rematar, de forma precisa, com uma ideia partilhada. Sendo que, a meu ver, a conclusão de tal premissa é tão optimista (e subjectiva) quanto o estado actual da democracia portuguesa.


João Madeira diz:
Janeiro 19, 2012 às 12:49 pm


A ética tem hoje um valor tão subjectivo quanto a verdade. A verdade institucional é, a céu aberto, a mais retumbante mentira. No entanto, e depois de devidamente empacotada e vendida para consumo generalizado, a mentira transforma-se numa verdade substituta, argumento de uma opera buffa de muito má qualidade que alimenta a compulsão folhetinesca deste país. Nesta farsa interminável, a ética é o seu mais estimado polichinelo. Por aqui, só dá para rir.

Mário Moura diz:
Janeiro 19, 2012 às 12:58 pm

 
A ética é sempre subjectiva, e isso não lhe retira qualquer tipo de valor. Uma ética objectiva será sempre mais do domínio da lei ou da religião, algo externo, mas as decisões, mesmo informadas por instituições, são sempre individuais.


João Madeira diz:
Janeiro 19, 2012 às 3:10 pm

  
Isso pressupõe que, ao agir, podemos invocar os contornos imprecisos de um conjunto de valores de utilidade discutível. Tudo o que a consciência debita é subjectivo. Mas existe um compromisso entre a noção íntima do que fazemos e o impacto social desses actos. É um percurso há muito trilhado, de experiência feito. É esse compromisso que cria uma fronteira entre ética e amoralidade. O caminho entre ética e instituições deveria ter duas vias dinâmicas e evolutivas, que não tem. Mas decisões individuais, por mais independentes que pretendam ser, não podem estar perdidas numa nebulosa autocrática, nem criar um sistema substitutivo do bom senso e do bem comum, que são subjectivos mas civilizacionalmente muito úteis. É essa conveniente desagregação semântica que contesto, nomeadamente quando convertida em manipulação governativa.

Mário Moura diz:
Janeiro 19, 2012 às 3:25 pm


A utilidade dos valores é sempre discutível, sejam eles subjectivos (emoções, interesses, etc.) ou sociais (costumes, leis, religiões). Não é o facto de serem discutíveis que os torna piores, apenas que numa democracia é habitual ter de discuti-los com outras pessoas.

A autocracia só entra em jogo quando se tenta impôr os nossos próprios valores sem essa discussão.


*Com os devidos retoques cosméticos.

Ilustração de Ilya Kolesnikov

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