9.1.14

Scorsese e as mulheres



Margot Robbie e Leonardo DiCaprio em The Wolf of Wall Street (2013)

“Roger Ebert: In a lot of your movies, there's this ambivalent attitude toward women. The men are fascinated by women, but they don't quite know how to relate to them...

Martin Scorsese: The goddess-whore complex. You're raised to worship women, but you don't know how to approach them on a human level, on a sexual level. That's the thing with Travis, the DeNiro character - the taxi driver. The girl he falls for, the Cybill Shepherd character - it's really important that she's blond, a blue-eyed goddess.”

Excerto da entrevista de Roger Ebert a Martin Scorsese, em 1976 (que pode ser lida na totalidade aqui.)

Não sei que tipo de relação Martin Scorsese teve ou tem com as mulheres da sua vida, obviamente, e, olhando para a sua obra, tudo o que se possa dizer é especulativo e possivelmente estéril. A verdade é que só me lembro de ver nos seus filmes um papel feminino verdadeiramente forte, sensível e detalhado: o de Ellen Burstyn em Alice Doesn’t Live Here Anymore. Apesar de celebradas, as personagens de Lorraine Bracco em Goodfellas e de Sharon Stone em Casino apresentam dimensões essencialmente caricaturais, bem enquadradas no folclore dos seus filmes-de-Máfia. Parece haver uma preguiça, ou desinteresse – não creio que seja incapacidade –, em explorar essa outra dimensão psicológica, pelo que as mulheres são normalmente relegadas para uma função pouco mais que decorativa, surgindo como leit motiv (Rosanna Arquette em After Hours; Cathy Moriarty em Raging Bull; mais recentemente, Cameron Diaz em Gangs of New York e Michelle Williams em Shutter Island), instrumento de manipulação (Stone; a vixen de época que Winona Ryder compõe em The Age of Innocence), e, com maior frequência, vítima dos homens e pelos homens resgatada (Jodie Foster em Taxi Driver; Barbara Hershey em The Last Temptation of Christ; Juliette Lewis e Jessica Lange em Cape Fear; Michelle Pfeiffer em The Age of Innocence; Patricia Arquette em Bringing Out the Dead). Após ver The Wolf of Wall Street, entristece-me que um dos últimos grandes realizadores norte-americanos passe de uma máfia a outra com o mesmo entusiasmo e energia, e o mesmo aparente desprezo pelas personagens femininas. A esse nível, se levamos algo do filme é porque Margot Robbie confere às suas cenas as subtilezas que não estão no argumento e, que, presumo eu, não se consideraram necessárias a priori. Certo, é um “filme de gajos”, como são grande parte dos melhores de Scorsese, mas seria de esperar que, a esta altura da sua carreira, a relação com o sexo feminino maturasse e se aprofundasse a um nível que, mesmo secundário, pudesse oferecer algo mais do que a presença apendicular e unidimensional (só para citar os papéis de maior relevo) de Robbie e Joanna Lumley em The Wolf of Wall Street. Pior que isso, as cenas que ilustram a violência exercida sobre a primeira não me pareceram sequer honestas, mas um mero - e oportunista - mecanismo dramático. O cinema merece de Scorsese um bom filme sobre mulheres, que ele provou saber fazer, no início da sua carreira, com Alice e Boxcar Bertha.

1 comentário:

tatti disse...

Scorcese tem essa coisa "ítalo-mafiosa" dentro dele, fazendo ou não filme de gangsters, ele nunca deixa essa temática, mesmo que indiretamente, em seus filmes.
Nesse mundo predomina, além da ideologia católica de culpa/rendição, o machismo (cheio de violência e vigor)típico das histórias de máfia.

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