Na campanha pelo Oscar vale tudo. É bem sabido que hoje, mais do que nunca, os jogos de bastidores e a exposição pública engendrada pelos departamentos de marketing (muitas vezes num contexto alheio à promoção do filme que, já por si, é quase sempre excessiva) asseguram em grande parte as nomeações e, num sprint final de tirar olhos, determinam os vencedores. Apenas um exemplo: não foram nem a qualidade de The Blind Side nem os dotes interpretativos de Sandra Bullock nessa fita que lhe valeram o Oscar de Melhor Actriz no ano passado. O elemento afectivo jogou decisivamente junto dos membros votantes e uma série de muito bem calculadas presenças nos mais diversos eventos, cinematográficos ou não, encarregou-se de explorar o carisma e espontaneidade da actriz sem desgastar demasiado a sua imagem. Se Bullock tivesse estreado um filme no ano que passou, depois de todas as atribulações a nível pessoal que parecem ter reforçado o seu capital público de simpatia, com uma interpretação competente, ao nível da de The Blind Side, era certo que em 2011 tinha mais uma nomeação no bolso. Tão previsível quanto isto. E o que tem isto a ver com cinema?
Este ano, durante algum tempo pareceu que The Social Network detinha uma clara vantagem sobre The King's Speach. Um filme escorreito, técnica e artisticamente irrepreensível, com uma temática contemporânea e popular, era mais que certo que Network iria merecer louvores porventura exagerados – que o próprio David Fincher se encarregou de desmistificar – e epítetos tão entusiásticos quanto irrisórios, como “o filme de uma geração”. Não é, e isso dificilmente acontecerá por motivos óbvios. Será quando muito um óptimo filme da estação.
Uma das boas premissas de The Social Network é o distanciamento emocional em relação às figuras e ao universo retratados, a aparente ausência de juízos de valor e, inclusivamente, uma moralidade ambígua bem ao gosto, isso sim, de uma certa geração que enviesadamente caracteriza. O facto de o argumento de Aaron Sorkin se fundar essencialmente em conversas com Eduardo Severin, antes do desfecho da batalha legal que este moveu contra Mark Zuckerberg e o Facebook e dos milhões de dólares de compensação que o obrigaram a assinar uma cláusula de confidencialidade draconiana, parece suportar essa tese. Numa fase inicial, inclusivamente, argumentista, realizador e actores fizeram questão de sublinhar a ausência de pretensões “biográficas” e o carácter universal da história, referindo Jesse Eisenberg, por diversas vezes, que nunca interiorizou qualquer censura em relação à personagem que interpreta, preferindo inclusivamente não travar conhecimento com Zuckerberg de forma a não toldar o seu julgamento (ou ausência dele) sobre a criação de Sorkin.
E quando realidade e ficção não se deveriam cruzar na arena pública, em nome da honestidade de intenções e da integridade artística, eis que Eisenberg e Zuckerberg surgem juntos, há bem pouco tempo, no maior (e mais duradouro) expoente do humor satírico norte-americano, o programa Saturday Night Live. Ou seja, a traição de tudo o que o filme supostamente representava, num enquadramento ligeiro e descomprometido, entre gajos porreiros e todos muito amigos. A meu ver, e com este golpe publicitário, o filme perdeu a mística criada e, em certa medida, a razão de ser. E porquê o contrasenso? Ora deixa cá ver, estará relacionado com o facto de The King's Speech, promovido pela máquina comedora de Oscars que são os irmãos Weinstein, ter arrebatado uma série de prémios importantes, como o Directors Guild Awars e o Producers Guild Awards, neste final de época?
Não há obra que resista com a dignidade intacta à gula dos grandes estúdios. Pelas recompensas, simbólicas e materiais, pela popularidade a todo o custo e consequentes benefícios no chamado “ancillary market”. The Social Network passou de filme sincero pouco preocupado com as simpatias que iria recolher a postulado de cinismo empenhado em promover-se às custas, e com o beneplácito, do Facebook.
Não há obra que resista com a dignidade intacta à gula dos grandes estúdios. Pelas recompensas, simbólicas e materiais, pela popularidade a todo o custo e consequentes benefícios no chamado “ancillary market”. The Social Network passou de filme sincero pouco preocupado com as simpatias que iria recolher a postulado de cinismo empenhado em promover-se às custas, e com o beneplácito, do Facebook.
A transcrição do excerto de uma entrevista com David Fincher, que coloco no post seguinte, deixam perceber a antipatia do realizador por todo este processo, mas também denunciam algum afastamento em relação à presumível mensagem do filme.
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