17.6.08
Dias 19, 20, 21: fim de emissão
Foi necessário algum tempo para avaliar com justiça o que me trouxeram os três meses de formação nas Produções Fictícias. A ideia geral é de excessiva descontracção e de muito pouco rigor na articulação dos módulos, na comunicação entre professores e na avaliação global do trabalho dos alunos. São uns porreiros que por ali passam, uns mais porreiros do que outros, se não calha bem a um vem o outro, adiam-se umas aulas, aparece um terceiro para tapar buracos, um tresloucado para dar colorido ao ramalhete, as temáticas sucedem-se em overlapping e não parece existir mais nada para além de um bem-intencionado fait-divers. Sim, é interessante ouvir o que este pessoal tem para dizer, ganhando a perspectiva do insider, com direito a histórias de bastidores, simpatias e antipatias, estratégias de marketing (lição primordial: saber vender) e armadilhas clássicas. Esta interacção com a malta que escreve e representa dá-nos ou retira-nos motivação para fazer certas coisas, torna as nossas limitações muito nítidas e permite-nos gravitar em direcção a uma suposta identidade “humorística”. Fiquei bem ciente daquilo que dificilmente conseguiria fazer, mais do que aquilo que consigo, mas não adquiri ferramentas técnicas ou linguísticas que não possuísse ou que pudessem mudar radicalmente a minha perspectiva das coisas. Neste mundo de egos e referências, também eu já tenho uma quota de noções inflexíveis e não houve nada que as demovesse. O único módulo realmente motivador, em termos de conteúdo e de orientação, foi o de New Media. Aqui houve espaço para reflectir sobre a necessidade de modernizar o humor, recriando linguagens em função dos mais diversos suportes tecnológicos e da estrutura social em que estamos mergulhados. Foram feitos alguns testes felizes, excelentes exemplos de concisão e de articulação de elementos criativos, sem perder a espontaneidade e a piada. A formadora, Maria João Cruz, era uma comunicadora tarimbada e a matéria tinha um cunho de cientificidade que faltou à generalidade dos outros módulos. Não discuto que “o humor não se ensina”, como tantos repetiram. Não discuto porque acredito que existem personalidades mais dadas à observação e à sátira, mais ágeis com as palavras, cuja predisposição foi potenciada por um determinado percurso. Mas a afirmação (complementar) de que “não se ensina a escrever humor” soa-me a desculpa de quem tem mais que fazer ou não sabe realmente o que ensinar. Se assim é, porque é que existem autênticas fábricas de argumentistas em países como os Estados Unidos? Para além de terem mais uns largos milhões com potencial, também têm como orientar e aproveitar esses talentos, numa míriade de situações e suportes possíveis. Esse trabalho tem quase sempre uma forte componente prática, que passa pelo estágio, pela colaboração e pela experiência in situ dos constrangimentos do guionismo. Mas é óbvio que o ser-se capaz ou não de corresponder às necessidades e de aguentar o ritmo passa por uma metodologia árdua que compõe investigação, assimilação de regras, fórmulas e preceitos, muito treino, interacção e repartição do trabalho. Só assim se conseguem os momentos inspirados que raramente sucedem na ficção portuguesa e outros derivados da escrita humorística. É óbvio que a culpa não é das Produções Fictícias, que muito têm feito pelo humor e pelos guionistas em Portugal, mas esta formação em particular só pode ser aconselhada a quem tem dinheiro e muitas horas para gastar. Fica um respeito ganho ou renovado por alguns destes artesãos da escrita e a relação com os seis valentes que terminaram o curso. Daqui nasceram uma macacadas que, à falta de projecção, nos divertem e ensinam bastante.
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