Sou só eu ou há mais gente por aí a sentir que a generalidade dos lisboetas deambula em hora de ponta pelos passeios da cidade? Quando digo “deambula” é mesmo um vaguear desnorteado. Os velhotes arrastam-se pelo meio do caminho, certo, é legítimo, se bem que às vezes apetecia-me pegar naquelas canadianas e… Mas já tentaram não evitar uma colisão frontal com uma taralhoca qualquer, vestida de ganga, loura quase até à raiz, com uns pendentes sioux nos apêndices do crânio vazio? A gaja não se desvia! Sobretudo se for em alegre bravata com a amiga: é uma dupla colisão, com um saco de mão a latejar na minha perna, depois de penetração violenta na cerrada brecha da estupidez. E os senhores muito bem postos, daqueles que usam sobrecasaca, que o Eça adoraria descascar, de preferência adornados com cachimbo e farronca? Não se desviam um milímetro que seja, lambuzando os passeios com os seus passos solenes enquanto vomitam sem esgar luminosas sentenças. E um gajo à toa, a galope por aí fora, atrasado, com tanta merda empilhada para fazer… Mas esta gente não tem empregos? Só ordenados? Esgares faço eu, caramba! No metro os tontos aos ésses tomam a perigosa dianteira, os labregos ocupam o lado esquerdo das escadas, sobrepondo-se em número e atitude à determinação de um pobre operário com pressa. Selvajaria ambulatória! Eu bem passo o passe com destreza, sigo uma linha recta, seguro as portas e dou prioridade aos doentes, idosos e às meninas… Nada a fazer. A minha ilusão de civismo é desfeita pela D. Bimba Quarentona que entra pelo lobby do banco adentro, seguida de numerosa comitiva, enquanto o jovem paquete aguarda um “obrigado”. Pelo casalinho Elisabete & Zé Manel, estrumando o percurso de amor e entupindo ostensivamente a via. Pelo guna de boné que não aprendeu a coordenação verbal-motora. Pela sacaria da Srª Prazeres, pelos imbecis a jogar flippers no MB, pelo amontoado de populaça com a tracção de um repolho no deserto do Nevada…
Hoje, a maior demonstração de civismo veio de um rafeiro. Parei eu subitamente para lhe dar passagem e o canito, vendo-me com pressa, contornou por trás.
7.12.05
6.12.05
Blast from the past
Não deviam existir estes acasos, quando está tudo tão arrumado em recantos insuspeitados da memória. Fugidos ao tempo, ao ritmo dos artefactos de subsistência. Tanto esforço para instrumentos tão rústicos. Uma travessia tão longa para percorrer este modesto caminho. Acasos destes. Não mudam nada. Vês-te reflectido da forma que menos gostas. Naquela que ziguezagueaste, repudiaste, deste por finda. Hoje o tempo procurou-te. E tu, para onde tinhas ido?
Calimero
Quando era miúdo os meus irmãos chamavam-me Calimero. Objectivamente posso pensar numa ou duas razões. Hoje acredito que não terá sido um erro de julgamento. Somos todos pintainhos, apenas variam a cor e o destino. No meu caso o preto fatalista deu lugar a um vago azul iconoclasta.
Não deixei de ser pinto. Só pintei as penas.
2.12.05
Prémio Hamburguer Mais Indigesto do Ano
"Mr. e Mrs. Smith". Bravo ao jornal Público pela astuta manobra publicitária e meritória acção cultural que tanto honra os seus pergaminhos. Não sei se alguém do conselho editorial viu a fita, mas se acaso tropeçarem no infortúnio que estrearam com pompa e circunstância (por umas módicas 4 mocas), verão que, em vez de uma página inteira de publicidade farçola, deveriam ter pensado num modesto rodapé na última página. Sempre serviria de desculpa, caso leitores desavindos pensassem seriamente em mudar de publicação.
1.12.05
Stress
Game Boy
As histórias infantis são obsoletas, sobretudo nos 5 minutos de inocência permitidos pela lei do mercado.
Acredito que as recolhas, adulterações e criações dos Grimm e de Andersen sejam fiéis a uma pedagogia, seja a medieval ou a própria ética pessoal, no caso do dinamarquês. Consiglieri Pedroso compilou narrativas orais de uma enorma crueza e ainda hoje entre Alfama e Vila Nova de Gaia se encontram exemplos da sua vitalidade. Embalados por um imaginário soturno os alemães reservaram algumas traquinices à Humanidade, a Dinamarca bem espezinhou a moralidade d' O Soldadinho de Chumbo e quanto a La Fontaine, os franceses não precisavam de efabuladores, nem antes nem depois dele. Sempre se levaram demasiado a sério - que o diga Maria Antonieta.
Pela Europa fora as histórias ganharam formas, intenções e destinos diferentes.
António Ferro encarregou-se de adoçar com melaço os contos de embalar. Ganhámos em demagogia e perversidade encapuçada. Muito sinceramente, não é tempo de fazermos uma releitura contemporânea? Os jogos electrónicos são mais adequados para os miúdos do que a sexualidade reprimida das histórias infantis.
Ilustração de Tiago Madeira
Ser Lisboa
Lisboa é boa de se ver em praças iluminadas e esplanadas enganadoras. Lisboa não é boa de se viver. Lisboa é um traste sorridente, é uma má notícia solarenga. Lisboa é esquizofrénica. É insconsciente. Lisboa é um achado arqueológico que entrou em erosão. É uma anacronismo. Lisboa trocou a patine pela decadência, os bons modos pela indigência. Lisboa bebe demais, fuma demais, droga-se, cospe e insulta, amontoa crateras nas boas intenções. Lisboa é um político: promete tudo aquilo que não vai dar. Lisboa não cresceu, implodiu. Lisboa não tem saúde e não quer cuidados especiais. É uma caixa de Prozac fora do prazo. Lisboa é um cliché na pena gasta e presunçosa dos líricos de salão. É um faduncho de 3ª elevado a ode pelas gargantas de fantasistas serôdios. Lisboa é uma comunidade subterrânea.
Lisboa é o que nós lhe damos.
E a bem da verdade, não lhe damos coisíssima nenhuma.
Lisboa é o que nós lhe damos.
E a bem da verdade, não lhe damos coisíssima nenhuma.
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