27.3.08

A ciência de um porco





Isto é um porco. Não parece, mas é. Estava na colecção de porcos dos meus pais. Foi uma encomenda feita aos três irmãos rapazes há mais de muitos anos atrás. Fazia parelha com um gordo porco burguês, de charuto e casaca vermelha, executado com rigor pelo Pedro, e com um porco rústico de chapéu de palha, entretanto desaparecido, bem esgalhado pelo Tiago. Sendo o mais novo e o mais incompetente nestas lides, as expectativas não eram elevadas. Mas é um porco, é. Pode parecer um mau cruzamento entre o Liberace, a cabeça de um dispensador de PEZ e um exemplo macabro de cirurgia cosmética. Mas é um porco. Lembro-me que, quando o fiz, manuseando com muita cautela aquela massa moldável de ir ao forno, quis dar ênfase ao nariz de tomada, conseguindo também encaixar uma cauda de rosca nas traseiras do bicho. É certo que não é protuberante e que parece um buraco na cabeça, mas está lá. O que faz deste boneco um porco, na intenção e na execução. Fiquei todo orgulhoso e os meus pais fingiram que estava muito bem. Os meus irmãos gozaram comigo. Ainda hoje gozam, basta mostrar-lhes o meu porco. Isto foi lá para trás das arrecadações da memória, mas recordo-me da determinação em terminar o que me era pedido e da veemência a defender este acto trôpego de criação. Numa recente viagem a Coimbra, os meus pais não só não se lembravam do porco, como queriam tirá-lo da colecção e recambiá-lo para uma das dúzias de prateleiras da casa, onde estão desterrados dezenas de bibelôs. O horror! Exigi que ele permanecesse onde estava, por respeito ao meu esforço e à minha visão. Caramba, é que é um porco! O desgaste em explicar algo que me parece óbvio tem sido uma constante na minha vida, sobretudo em tempos recentes. Mas este caso serviu para me mostrar que não é só no porco que a fêmea torce o rabo. A grande maioria das coisas que faço e que digo nunca parecem ter uma correspondência linear com a realidade. Não como as pessoas a vêem, em todo o caso. E o esforço paladino em defender os meus arbítrios é quase sempre frustrante e frustrado. O que é um grande fardo para se carregar. Mas digam o que disserem, pensem o que pensarem, é um porco, e desafio qualquer argumento em contrário.

2 comentários:

Anónimo disse...

É um porco, claro! Numa visão altamente subjectiva, pessoalíssima e difícil de transmitir... parece-me. Também me parece um porco bastante... humanizado... portanto, que mais poderíamos pedir?

João disse...

Hum... Poderíamos pedir um bocado mais de coerência?...

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