20.3.08

Lengalenga



De: A.
Enviada: quarta-feira, 19 de Março de 2008 11:30
Para: João
Assunto: RE: um desabafo


Caro,

Vejo que as nuvens negras que me assombram também se passeiam pelos teus céus. (Acordei poeta!).

Já que abrimos o garrafão das lamúrias, digo-te que por aqui também se faz um esforço para manter os níveis de ansiedade abaixo do nivel de perigo.

Se mais nenhuma ideia brilhante houver, sugiro dormir bem e procurar manter interesses fora dessa realidade para que a coisa não pareça absoluta.

Não consigo evitar a veia de conselheiro…

Hang in there.


De: J.
Enviada: quinta-feira, 20 de Março de 2008 11:21
Para: A.
Assunto: RE: um desabafo

É inelutável. Entenda-se o meu mail como uma espécie de ventilação forçada. Tem a ver com a total ausência de tempo(s) de lazer, a existência redundante e a saturação generalizada - do local de trabalho, do tipo de trabalho, das pessoas no trabalho, da cidade, da loucura ensardinhada... Deixas de ter objectividade, de encontrar relevância naquilo que fazes, incapaz de te distanciares e avaliares as tuas competências, de sentir ou saber se consegues dar melhor (e não mais, mais!), mas raspas até não haver fundo e os teus olhos estão em chama e a tua capacidade de interagir desvanece. Como agravante, a indiferença dos outros arranca de vez a ficha da tomada. É patético aquilo em que nos tornámos. A desproporção entre o que se ganha e o que se faz não suscita revolta, porque a resignação é a melhor conselheira e afinal até temos sorte. O que não paga as contas nem melhora a qualidade de vida mas dá-te um conforto maneirinho e agradecido. Foi um desabafo, pois. O consolo doméstico é muito curto e falham todas aquelas aptidões relacionais que permitem manter um equilíbrio justo. O desprendimento devia ser fácil, perante a constatação de que não mudas nada, não vai mudar nada e a resistência é inútil (e perigosa). É preciso deixar de acreditar, teimosamente, que se tem razão. Afinal, o que é a experiência? Aí está uma resposta que gostava de ouvir, sem demagogia nem ilusões. É inelutável, portanto não tens que relativizar nada, já está tudo relativizado. A questão está em percebê-lo, aceitá-lo e saber viver com isso. Mesmo que tal implique, para a grande maioria de nós, viver uma existência suspensa de objectivos ocos. Vivam os filhos. E a serotonina. O que mais me lixa é não conseguir pensar um pouco mais além. Só um pouco.


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