21.5.07

Lamento



Tão longe, tanto tempo a correr sozinho atrás de mim. Senti todas as texturas ao chão, provei o pó e o calor, raspei as unhas nos teus ombros quando me senti cair, gritei por ti quando peso morto. Levantei-me e corri, corri, corri, circundando-me, dando-me por nada, quando por nada dava tudo, dava tudo, porque queria que me visses, queria que me amparasses, que parasses de me ver correr, correr, atrás de ti, entre as paredes húmidas e o céu rachado, a sangrar na gravilha. Gritasses, saísses da frente, não estivesses onde não pertencias. Eu podia ter dado tudo, mas não dava por nada. Sempre a correr, a correr atrás, sozinho com a minha vida sem ti, agarrava-me já ao chão, à gravilha, às tábuas do soalho, à brisa na varanda, à luz sumida do telhado em losango, à ignorância mais profunda e mais longa. Levantei-me e corri, corri, a olhar para trás, para ir mais longe, sem perder de vista que queria chegar ali. Sem ti, sem fôlego e sem terreno, inevitavelmente sozinho a correr atrás de mim.


Foto: The Road West, Dorothea Lange, 1938

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