30.10.06

À procura de Ed


Há já algum tempo que não vemos Edward Norton num papel à altura do seu talento. Há já algum tempo, aliás, que não vemos Ed Norton em lugar nenhum. Se ninguém deu por ele em “Reino dos Céus”, de Ridley Scott, é normal. Desde logo porque quase ninguém deu pelo filme, protagonizado pelo protozoário Orlando Bloom, mas, para quem viu, o papel de Rei Balduíno IV (o Leproso) obrigou-o a usar uma máscara permanente e a alterar substancialmente o tom de voz e a elocução. A sua interpretação (assim como a de Eva Green, que encarna a sua irmã Sibila) foi largamente cortada na versão que estreou nos cinemas. No director’s cut de 195 minutos é agora possível avaliar a intensidade e a dimensão trágica das interpretações de Norton e Green e ver o filme sob uma nova luz. Ed Norton continua a ser, aos 37 anos, uma das grandes esperanças do cinema americano, mas tem preferido adiar o papel de estrela para investir na integridade artística – o que significa, muitas vezes, entrar em conflito aberto com realizadores e produtores, reescrever guiões e retirar o seu nome dos créditos dos filmes (guia prático: “Golpe em Itália”, “América Proibida” e “Reino dos Céus”). Em 2006 regressa em três fitas: “O Ilusionista”, prestes a estrear entre nós, uma adaptação de O Véu Pintado, de W. Somerset Maugham, com Naomi Watts, e Down in the Valley, onde o seu desempenho de um homem mentalmente desequilibrado lhe tem valido os maiores elogios. Para muitos, porém, o seu melhor filme até à data é “A 25ª Hora”, drama que traz a assinatura de Spike Lee.
Lee referiu por diversas vezes que este é o filme da proclamação de amor a Nova Iorque, por entre as nuvens negras do pós-9/11, numa ode visceral à sua diversidade, às suas contradições e aos seus traumas. As personagens de “A 25ª Hora” carregam o peso da revolta, da confusão e da dor pelas ilusões perdidas. Figura emblemática: o Morty que Edward Norton interpreta com enorme garra – um homem inteligente que poderia ter uma carreira mas que tem, em vez disso, uma pena pendente de sete anos de cadeia por tráfico de droga. É aos últimos momentos de liberdade de Morty que assistimos, por entre cantos familiares da Big Apple, povoados de personagens disfuncionais: o pai (Brian Cox), os amigos Jacob (Philip Seymour Hoffman) e Slaughtery (Barry Pepper) e a namorada, Naturelle (Rosario Dawson), que o fazem sentir, de forma dolorosa, que a inocência é irrecuperável. Restam ambições inúteis e desfeitas e o afecto pelas coisas passadas. Num cenário de desolação moral, um drama duro e directo que não deixa ninguém indiferente.
Até ao nosso reencontro com Ed, um filme para rever e admirar a sua excelência.

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