18.1.10

Hard copy 14









O capitalismo deu asas à emancipação feminina, mas não evitou o declínio do jacquard.

Anúncio publicado na Flama, em 1974.

I have a feeling we're not in Munich anymore



Não. Estamos numa terra dominada por fedelhos mal-educados. Onde se põe o lixo à porta dos prédios porque ninguém coloca ou retira o caixote da rua. Onde tudo o que é rua careta tem filas de carros em 2ª mão porque os moradores querem por força parar à porta do café, a 100 metros de casa. Onde o uso de pisca e do mais comum bom-senso na estrada são actos supérfluos. Onde possuir um novo e chamativo automóvel substituiu há muito ter pernas para andar. Onde ostentar um telemóvel espampanante é mais relevante do que comunicar. Onde hordes desarvoradas, arrastando crianças e velhos, entopem o IKEA num domingo de manhã, desperadas por arrebatar uma promoção de 8 plásticos coloridos. Onde se discute a semântica do "casamento" gay até à cãimbra nauseante quando todos os preceitos (realmente) morais do país estão mais na merda do que o erário público. Onde tratar os filhos por "você" é sinal de estatuto. Onde cuspir e assoar para o chão também. Onde segurar a porta por cortesia rapidamente se transforma numa ingrata obrigação. Onde o maior representante da nação é um tamanco presunçoso, ignorante e inarticulado. Onde o Cristiano Ronaldo é o paradigma de sucesso. Onde "bom dia" e "obrigado" são arcaísmos progressivos um pouco por todo o comércio. Onde as mutilações psicológicas no trabalho são acarinhadas e promovidas por entidas genéricas que caminham de pé e que, habitualmente, desempenham cargos de coordenação e chefia. Onde não pode chover que se inunda tudo. Apesar de chover todos os anos. Várias vezes. Onde "promoção de espaços comuns" se traduz em mais uma dúzia de centros comerciais. Onde os espaços verdes escasseiam e os parques definham. Onde por cada buraco que não é tapado há mais uma despesa pessoal assegurada na câmara municipal. Onde a noção de respeito é do domínio da intelectualidade mais críptica, e por isso merecedora de rejeição generalizada. Onde os sorrisos poderiam ser moeda de troca se a estupidez endémica não precipitasse os pensamentos no vazio e as bocas na comiseração. Uma terra onde o clima é ameno. Ámen.

13.1.10

Luz quanto baste

A meu ver, o excesso de luz é para os curtos de vista.

Por isso, no meu quarto a luz entra com parcimónia.

Pinturas de Ellsworth Kelly

5.1.10

La llorona se va


Nos tempos idos da RUC descobri um disco que não se assemelhava a nada daquilo que se ouvia preponderantemente na altura, ou pelo menos dentro da tríade pop - rock - electrónica que dominava as preferências do pessoal. Mas na RUC havia gostos para tudo, felizmente, e a world music era um nicho de onde saíam pérolas como La Llorona. Um álbum intemporal, que marcou a minha despedida dos tempos de academia, tão intenso agora (talvez mais) quanto à primeira audição, em 1998. Uma música em particular nunca mais me saíu da cabeça, e foi a primeira que ecoou quando soube que Lhasa de Sela tinha morrido, com a minha idade.
Uma pequena homenagem, aqui.


Llorando
De cara a la pared
Se para la ciudad
Llorando
Y no hay más,
Muero quizás
Ha! Dónde estás

Soñando
De cara a la pared
Se quema la ciudad

Soñando
Sin respirar
Te quiero amor
Te quiero amor

Rezando
De cara a la pared
Se hunde la ciudad

Rezando
Santa María
Santa María
Santa María

Muriendo


(Lhasa de Sela, "De cara a la pared")


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